REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS
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PARECER SOBRE A CONTA DA REGIÃO AUTÓNOMA
DOS AÇORES 2023

2024-11-27

Relator: Conselheira Maria Cristina Flora Santos

 

DESCRITORES

ANO 2023 / CONTA DA REGIÃO AUTÓNOMA / PARECER / REGIÃO AUTÓNOMA DOS AÇORES / TRIBUNAL DE CONTAS.
 

SUMÁRIO

O Tribunal de Contas emite um juízo de conformidade global, com reservas, ênfases e recomendações, sobre Conta da Região Autónoma dos Açores de 2023.

Reservas

  • As transferências do Orçamento do Estado em cumprimento do princípio da solidariedade, no montante de 186,4 milhões de euros, foram contabilizadas, na íntegra, em transferências correntes, sem ter em conta o disposto no artigo 17.º, n.º 3, do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores.

  • Os totais de receita e de despesa foram afetados pela falta de registos contabilísticos nos montantes de 781,1 milhões de euros e de 729,9 milhões de euros, respetivamente, pondo em causa o princípio orçamental da universalidade.

  • O saldo contabilístico da Administração Regional direta, à data de 31-12-2023, não foi passível de confirmação.

Ênfases

  • O relatório e os anexos informativos que acompanharam a proposta de Orçamento para 2023 não continham a apreciação do princípio da equidade intergeracional.

  • Não foi observada a regra de equilíbrio orçamental prevista na Lei de Enquadramento do Orçamento da Região Autónoma dos Açores, tendo sido apurado um saldo global ou efetivo do sector público administrativo regional negativo, de 88,2 milhões de euros.

  • As entidades que integraram o sector público administrativo regional continuaram a movimentar fundos com inobservância do princípio da unidade de tesouraria. Das 147 contas bancárias detidas, apenas 89 foram movimentadas no âmbito do sistema de centralização de tesouraria.

Principais conclusões

Orçamento

O Orçamento da Região Autónoma dos Açores para 2023 baseou-se no quadro plurianual de programação orçamental para o período de 2023-2026, no qual foi previsto um limite total de despesa de 1 894 milhões de euros.

A proposta de Orçamento foi apresentada pelo Governo Regional à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores no prazo legal e, de um modo geral, observou as disposições legais aplicáveis quanto ao conteúdo do articulado e à estrutura dos mapas orçamentais. Contudo, os anexos informativos não contemplaram um conjunto significativo de informação, com destaque para a apreciação do princípio orçamental da equidade intergeracional.

O orçamento da Administração Regional direta aprovado ascendeu a 1 793 milhões de euros, enquanto o dos serviços e fundos autónomos, incluindo entidades públicas reclassificadas, atingiu o montante de 801 milhões de euros.

Não houve acolhimento da recomendação formulada pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores sobre o princípio orçamental da especificação, uma vez que os mapas do Orçamento não integraram as despesas de investimento por classificação económica.

Conta

A Conta foi remetida ao Tribunal no prazo legal e compreendeu a maioria dos mapas legalmente previstos, porém, não foi apresentada de acordo com o referencial contabilístico SNC-AP. A receita do sector público administrativo foi de 1 804,1 milhões de euros e a despesa, de 1 740,6 milhões de euros.

A receita efetiva perfez 1 418,8 milhões de euros e a despesa efetiva, 1 507 milhões de euros, tendo sido apurado um saldo global ou efetivo negativo de 88,2 milhões de euros.

Em contabilidade nacional, os valores provisórios divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística, I.P., apontavam para um défice orçamental do sector público administrativo regional de 133,4 milhões de euros.

Receita e despesa da Administração Regional direta

Na estrutura da receita da Administração Regional direta (1 684,7 milhões de euros) destacaram-se as receitas fiscais (788,3 milhões de euros – 46,8%), as transferências (528,4 milhões de euros – 31,4%) e os passivos financeiros (262 milhões de euros – 15,5%).

A despesa da Administração Regional direta totalizou 1 649,6 milhões de euros e foi constituída em 45,7%, por transferências correntes e em 17,1%, por transferências de capital que, em conjunto, absorveram quase dois terços da despesa total, seguindo-se os passivos financeiros, com 12,6%, e as despesas com o pessoal, com 8,8%.

A receita cobrada e a despesa paga foram inferiores às projeções orçamentais em 107,9 milhões de euros e em 143 milhões de euros, respetivamente.

Nas transferências do Orçamento do Estado (306,1 milhões de euros) sobressaíram as transferidas em cumprimento do princípio da solidariedade (186,4 milhões de euros) e as referentes ao fundo de coesão para as regiões ultraperiféricas (102,5 milhões de euros).

O registo da componente referente ao princípio da solidariedade foi efetuado, na íntegra, em transferências correntes, em desacordo do que decorre do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores.

As transferências da União Europeia registadas na Conta (205,5 milhões de euros) aumentaram 107,3 milhões de euros face ao ano anterior, decorrente, essencialmente, dos Programas Operacionais Açores 2020 e Açores 2030, assim como das verbas respeitantes ao Plano de Recuperação e Resiliência, que registaram aumentos individuais acima dos 34 milhões de euros.

Das transferências de fundos europeus para os beneficiários finais (429,2 milhões de euros), 222,5 milhões de euros (51,8%) foram destinados a entidades públicas e 206,7 milhões de euros (48,2%) a entidades privadas.

Os registos nos mapas contabilísticos da Conta não contemplaram a totalidade da receita e da despesa da Administração Regional direta, encontrando-se por contabilizar 781,1 milhões de euros e 729,9 milhões de euros, respetivamente, associados a operações de dívida e à movimentação dos fundos europeus e de outros fundos nas respetivas contas bancárias.

Fluxos entre entidades do perímetro e para o exterior

O valor dos fluxos entre entidades do perímetro orçamental, apurado com base nos dados da Conta (770,9 milhões de euros), aproximou-se do montante eliminado na consolidação apresentado na Conta.

Os fluxos das entidades do sector administrativo regional para entidades externas ao perímetro orçamental foram de 289,8 milhões de euros. Destes, 202 milhões de euros destinaram-se ao sector privado, 71,6 milhões de euros a empresas públicas não reclassificadas, 9,3 milhões de euros a entidades da administração local, 3,2 milhões de euros a entidades da administração central e 3,7 milhões de euros a instituições sem fins lucrativos públicas.

Subvenções a privados

As subvenções a privados (202 milhões de euros) foram superiores às do ano anterior em 51,5 milhões de euros (+34%) e destinaram-se, maioritariamente, a empresas privadas (130,1 milhões de euros) e a instituições sem fins lucrativos (48,4 milhões de euros).

Continuaram a não ser devidamente identificados os beneficiários de algumas subvenções e a avaliação dos resultados divulgada na Conta permaneceu insuficiente.

Tesouraria

O modelo organizativo e funcional da área da tesouraria não registou alterações e a Entidade Contabilística Região não foi regulamentada.

As entidades do sector público administrativo da Região Autónoma dos Açores continuaram a movimentar fundos com inobservância do princípio da unidade de tesouraria.

Dívida e outras responsabilidades

Em 2023, a Administração Regional direta recorreu a operações de dívida flutuante que proporcionaram a obtenção de recursos no montante de 326 milhões de euros.

A dívida fundada contraída em 2023 perfez a importância de 357,9 milhões de euros, dos quais, 274,3 milhões de euros corresponderam a refinanciamento, 75 milhões de euros a uma abertura de crédito em conta corrente que transitou de exercício orçamental com saldo em dívida (de 52,9 milhões de euros), passando, deste modo, para dívida fundada, e 8,6 milhões de euros a dívida contraída pelas entidades do sector público empresarial regional, dos quais 7 milhões de euros respeitavam a contas correntes caucionadas que transitaram de exercício orçamental com valores em dívida.

Em 31-12-2023, a dívida financeira do sector público administrativo regional ascendia a 2 936,6 milhões de euros, tendo aumentado 107,5 milhões de euros (+3,8%) face a 31-12-2022.

A expansão da dívida pública regional foi determinada, essencialmente, pela necessidade de financiar o défice orçamental de 88,2 milhões de euros registado no exercício.

Os encargos da dívida do sector público administrativo regional (55 milhões de euros) aumentaram 14,9 milhões de euros comparativamente ao ano anterior. Este resultado justificou-se pelo aumento da dívida financeira e, essencialmente, pelo aumento da taxa de juro implícita.

O perfil de reembolso da dívida pública regional evidenciou uma distribuição intertemporal pouco equilibrada, devido à emissão de dívida bullet, em que o reembolso ocorre, integralmente, na data de vencimento/maturidade.

Em 31-12-2023, a dívida não financeira ascendeu a 379,3 milhões de euros, mais 100 milhões de euros (+35,8%) face ao ano anterior.

A dívida total do sector público administrativo regional manteve a tendência ascendente evidenciada anteriormente, tendo-se agravado em, pelo menos, 207,5 milhões de euros (+6,7%), atingindo no final do exercício orçamental de 2023 a importância de, pelo menos, 3 315,9 milhões de euros.

As entidades do perímetro orçamental contraíram dívida flutuante cujo montante máximo acumulado de emissões vivas atingiu, ao longo do ano, 190 milhões de euros, verificando-se que o limite legal foi cumprido.

A regra do limite à dívida regional prevista no artigo 40.º, n.º 1, da Lei das Finanças das Regiões Autónomas manteve-se suspensa em 2023.

Apesar das operações de contratação de dívida fundada realizadas pelas entidades que integraram o perímetro orçamental se terem destinado a refinanciamento, registou-se um aumento do endividamento líquido de 107,5 milhões de euros, contrariando os limites estabelecidos, para 2023, na Lei do Orçamento do Estado e no Orçamento da Região Autónoma dos Açores.

Património

A carteira de ativos financeiros da Região Autónoma dos Açores, à data de 31-12-2023, ascendia a 518,4 milhões de euros, sendo que, 475 milhões de euros respeitavam a participações financeiras, 22,7 milhões de euros a créditos concedidos e 20,6 milhões de euros a outros ativos financeiros.

A dívida das entidades participadas pela Região Autónoma dos Açores diminuiu, fixando-se, no final do ano, em 1 205,4 milhões de euros, menos 118 milhões de euros do que em 2022 (-8,9%). Daquele total, 1 016,8 milhões de euros correspondeu a dívida das entidades públicas fora do perímetro orçamental, dos quais, 454,3 milhões de euros (45% do total) respeitavam ao Grupo SATA e 395,4 milhões de euros (39% do total) ao Grupo EDA.

À semelhança do observado nos últimos anos, persistiram entidades participadas com património líquido e capitais próprios negativos e com estruturas financeiras debilitadas. Estas situações consubstanciam riscos para o Orçamento da Região, na medida em que poderão vir a exigir-lhe um esforço financeiro de modo a garantir a continuidade das operações das entidades.

Em 2023, não foram realizadas operações ativas ao abrigo do n.º 1 do artigo 19.º do Decreto Legislativo Regional n.º 1/2023/A, de 5 de janeiro. Todavia, no âmbito do n.º 2 do mesmo artigo, que não fixou limite, foram realizadas operações que ascenderam a 16,5 milhões de euros.

O património não financeiro da Região Autónoma dos Açores ascendia, em 31-12-2023, a 1 185,9 milhões de euros, dos quais 1 098,6 milhões de euros respeitavam a bens imóveis.

 

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