DESCRITORES
ANTECIPAÇÃO DE PAGAMENTO / CONTRATO DE ARRENDAMENTO / CONTRATO PROMESSA / FISCALIZAÇÃO CONCOMITANTE / FISCALIZAÇÃO PRÉVIA / FRAUDE / MINUTA / PAGAMENTO INDEVIDO / PROCEDIMENTO PRÉ-CONTRATUAL / RESOLUÇÃO DO CONTRATO / RESPONSABILIDADE FINANCEIRA REINTEGRATÓRIA / RESPONSABILIDADE FINANCEIRA SANCIONATÓRIA.
SUMÁRIO
- Em reunião de 21.09.2020, o executivo camarário aprovou, por maioria, a celebração de um negócio jurídico entre o MC e a empresa e Green Endogenous, SA, qualificado pelas partes como uma minuta de contrato promessa de arrendamento para fins não habitacionais, com opção de compra, com vista à construção do Centro de Exposições Transfronteiriço. Esta minuta foi também aprovada, por maioria, em reunião de 25.09.2020, da AMC.
- O contrato promessa, no qual o Município assumiu a posição de promitente arrendatário e a mencionada empresa de promitente senhoria, foi outorgado em 12.10.2020, constituindo-se o MC na obrigação de pagar uma renda mensal de 25 000,00 € (atualizada anualmente) e de efetuar o pagamento antecipado do valor correspondente ao último ano de rendas, tal como previsto na cláusula 3.ª, n.ºs 1 e 4.
- Assim, em 16.03.2021, o então PCMC, autorizou o pagamento da quantia de 300 000,00 €, a título de antecipação de doze meses de renda referentes ao último ano do contrato, acrescida de IVA, no valor de 69 000,00 €.
- Este pagamento, efetivado em 15.06.2021, não teve qualquer contrapartida e não irá ter, atenta a resolução do contrato promovida pelo Município, em 23.01.2023, causando, assim, um dano para o erário público. Consequentemente, a autorização e a efetivação deste pagamento ilegal traduziram-se num pagamento indevido.
- Do clausulado contratual, que permitiu aquele pagamento ilegal, resulta ainda que a qualificação conferida pelas partes ao contrato promessa não retrata as prestações aí consagradas, contendo adicionalmente e de forma interdependente, elementos típicos de outras tipologias contratuais.
- O negócio jurídico delineado pelo MC configura o contrato prometido (afinal), como um complexo ou um conjunto de obrigações e prestações jurídicas características de uma locação financeira imobiliária, ou, noutra qualificação possível, de uma compra e venda de bem imóvel, a concretizar mediante o exercício de opção de compra, de uma empreitada de obras públicas e de um “contrato de financiamento”.
- Um negócio jurídico com estas características implica o cumprimento do regime jurídico e demais normativos a que de cada um dos contratos se encontra sujeito, o que não se verificou, tanto na fase da formação, como da execução do contrato, reconduzido pelo MC a um contrato promessa de arrendamento para fins não habitacionais.
- Esta situação teve como consequência a verificação de um conjunto de ilegalidades, traduzidas no incumprimento da parte II do Código dos Contratos Públicos, por ausência absoluta de procedimento pré-contratual no que respeita à empreitada de obras públicas, na violação de um conjunto de princípios gerais que presidem à celebração de contratos públicos e à gestão de bens imóveis por entidades públicas.
- Com a conduta adotada, o MC incorreu numa fraude à lei que lhe permitiu aceder ao que legalmente lhe estava vedado, uma vez que não dispunha de capacidade financeira para a construção do CET, deixando tal tarefa a cargo de um investidor privado, para mais tarde, decorridos os 25 anos de execução do prometido contrato de arrendamento, vir a adquirir esse imóvel mediante o exercício da opção de compra.
- Do mesmo modo, ao prever o pagamento antecipado, a seu cargo, de uma obrigação que só se constituiria daí a 25 anos, o Município concedeu materialmente um financiamento, à contraparte, sendo que se encontra vedado aos municípios concederem empréstimo a entidades públicas ou privadas, nos termos do n.º 7 do artigo 49.º do RFALEI.
- Ao qualificar o contrato prometido como um contrato de arrendamento (para fins não habitacionais), mas inserindo no clausulado contratual, em simultâneo, prestações típicas de outros contratos que, de facto, queria celebrar, o MC incorreu, eventualmente, numa situação de negócio nulo e ilegal, como tal uma situação lesiva do ponto de vista da boa gestão pública.
- Acresce que, face às tipologias de contratos incorporadas no acervo contratual, tais como empreitada de obras públicas, compra e venda e locação financeira, o negócio jurídico estava sujeito ao cumprimento de outros normativos legais, designadamente a submissão a fiscalização prévia do TdC, atento o disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 46.º da LOPTC, o que não se verificou.
- As ilegalidades acima identificadas são suscetíveis de determinar responsabilidade financeira reintegratória nos termos dos n.ºs 1 e 4, do artigo 59.º e sancionatória, nos termos das alíneas b), h) e l), do n.º 1 do artigo 65.º, todos da LOPTC.
- Os responsáveis pela prática destas infrações são B…, então Presidente da CMC, o atual Presidente da CMC, A… (então Vereador) e a Vereadora C… .
- Em sede de contraditório, a entidade e os indiciados responsáveis alegaram, em síntese, que:
- Todo o procedimento que conduziu à celebração do contrato promessa de arrendamento se alicerçou em pareceres jurídicos elaborado por juristas externos ao Município;
- Não celebraram um contrato de empréstimo ou mesmo de empreitada de obras públicas;
- Não tiveram intenção de praticar qualquer ato com vista a defraudar a lei e a sua conduta decorreu de erro sobre a ilicitude não censurável;
- Pelo que devem ser absolvidos da prática das infrações financeiras que lhes foram imputadas, por se verificar uma causa de exclusão da culpa ou concluir-se que as infrações foram praticadas a título de negligência, com relevação ou redução da responsabilidade financeira reintegratória, e ainda a dispensa ou redução da aplicação de multa, no caso da responsabilidade financeira sancionatória.
- Salienta-se que o MC resolveu o contrato por incumprimento da contraparte e diligenciou pelo ressarcimento e reembolso da quantia paga antecipadamente (369 000,00 €) através da promoção de uma queixa-crime com pedido de prestação de caução económica, bem como um pedido de arresto preventivo de bens, ações que ainda se encontram em curso.
O Tribunal de Contas recomendou ao Município de Caminha o cumprimento dos dispositivos legais referentes:
- À assunção e à autorização da despesa, designadamente as alíneas a) e c) do n.º 3 do artigo 52.º da LEO, o n.º 1 do artigo 1076.º do CC e o n.º 7 do artigo 49.º do RFALEI;
- Aos princípios da prossecução do interesse público e da boa administração previstos nos artigos 4.º e 5.º do CPA, bem como da equidade intergeracional previsto na alínea f) do n.º 1 do artigo 3.º do RFALEI;
- Às regras da contratação pública, em especial os artigos 16.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 292.º do CCP, bem como dos princípios gerais aplicáveis em matéria de contração pública, designadamente os da prossecução do interesse público, da concorrência, da imparcialidade, da transparência e da publicidade constantes do artigo 1.º-A do CCP, aplicáveis por força, da alínea c) do n.º 2 do artigo 4.º do mesmo código; e
- À remessa de atos/contratos para fiscalização prévia do TdC e previstos, designadamente o artigo 46.º da LOPTC.
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