REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS
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RELATÓRIO DE AUDITORIA
N.º 4/2024 – 1ª S/SS

MINUTA DE CONTRATO PROMESSA
DE ARRENDAMENTO PARA FINS NÃO
HABITACIONAIS COM OPÇÃO
DE COMPRA”, TENDO POR OBJETO
O FUTURO CENTRO DE EXPOSIÇÕES
TRANSFRONTEIRIÇO – MUNICÍPIO
DE CAMINHA

2024-11-12
Processo n.º 5/2022 – Audit-1ª S

Relator: Conselheiro Nuno Miguel P. R. Coelho

 

DESCRITORES

ANTECIPAÇÃO DE PAGAMENTO / CONTRATO DE ARRENDAMENTO / CONTRATO PROMESSA / FISCALIZAÇÃO CONCOMITANTE / FISCALIZAÇÃO PRÉVIA / FRAUDE / MINUTA / PAGAMENTO INDEVIDO / PROCEDIMENTO PRÉ-CONTRATUAL / RESOLUÇÃO DO CONTRATO / RESPONSABILIDADE FINANCEIRA REINTEGRATÓRIA / RESPONSABILIDADE FINANCEIRA SANCIONATÓRIA.
 

SUMÁRIO

  1. Em reunião de 21.09.2020, o executivo camarário aprovou, por maioria, a celebração de um negócio jurídico entre o MC e a empresa e Green Endogenous, SA, qualificado pelas partes como uma minuta de contrato promessa de arrendamento para fins não habitacionais, com opção de compra, com vista à construção do Centro de Exposições Transfronteiriço. Esta minuta foi também aprovada, por maioria, em reunião de 25.09.2020, da AMC.

  2. O contrato promessa, no qual o Município assumiu a posição de promitente arrendatário e a mencionada empresa de promitente senhoria, foi outorgado em 12.10.2020, constituindo-se o MC na obrigação de pagar uma renda mensal de 25 000,00 € (atualizada anualmente) e de efetuar o pagamento antecipado do valor correspondente ao último ano de rendas, tal como previsto na cláusula 3.ª, n.ºs 1 e 4.

  3. Assim, em 16.03.2021, o então PCMC, autorizou o pagamento da quantia de 300 000,00 €, a título de antecipação de doze meses de renda referentes ao último ano do contrato, acrescida de IVA, no valor de 69 000,00 €.

  4. Este pagamento, efetivado em 15.06.2021, não teve qualquer contrapartida e não irá ter, atenta a resolução do contrato promovida pelo Município, em 23.01.2023, causando, assim, um dano para o erário público. Consequentemente, a autorização e a efetivação deste pagamento ilegal traduziram-se num pagamento indevido.

  5. Do clausulado contratual, que permitiu aquele pagamento ilegal, resulta ainda que a qualificação conferida pelas partes ao contrato promessa não retrata as prestações aí consagradas, contendo adicionalmente e de forma interdependente, elementos típicos de outras tipologias contratuais.

  6. O negócio jurídico delineado pelo MC configura o contrato prometido (afinal), como um complexo ou um conjunto de obrigações e prestações jurídicas características de uma locação financeira imobiliária, ou, noutra qualificação possível, de uma compra e venda de bem imóvel, a concretizar mediante o exercício de opção de compra, de uma empreitada de obras públicas e de um “contrato de financiamento”.

  7. Um negócio jurídico com estas características implica o cumprimento do regime jurídico e demais normativos a que de cada um dos contratos se encontra sujeito, o que não se verificou, tanto na fase da formação, como da execução do contrato, reconduzido pelo MC a um contrato promessa de arrendamento para fins não habitacionais.

  8. Esta situação teve como consequência a verificação de um conjunto de ilegalidades, traduzidas no incumprimento da parte II do Código dos Contratos Públicos, por ausência absoluta de procedimento pré-contratual no que respeita à empreitada de obras públicas, na violação de um conjunto de princípios gerais que presidem à celebração de contratos públicos e à gestão de bens imóveis por entidades públicas.

  9. Com a conduta adotada, o MC incorreu numa fraude à lei que lhe permitiu aceder ao que legalmente lhe estava vedado, uma vez que não dispunha de capacidade financeira para a construção do CET, deixando tal tarefa a cargo de um investidor privado, para mais tarde, decorridos os 25 anos de execução do prometido contrato de arrendamento, vir a adquirir esse imóvel mediante o exercício da opção de compra.

  10. Do mesmo modo, ao prever o pagamento antecipado, a seu cargo, de uma obrigação que só se constituiria daí a 25 anos, o Município concedeu materialmente um financiamento, à contraparte, sendo que se encontra vedado aos municípios concederem empréstimo a entidades públicas ou privadas, nos termos do n.º 7 do artigo 49.º do RFALEI.

  11. Ao qualificar o contrato prometido como um contrato de arrendamento (para fins não habitacionais), mas inserindo no clausulado contratual, em simultâneo, prestações típicas de outros contratos que, de facto, queria celebrar, o MC incorreu, eventualmente, numa situação de negócio nulo e ilegal, como tal uma situação lesiva do ponto de vista da boa gestão pública.

  12. Acresce que, face às tipologias de contratos incorporadas no acervo contratual, tais como empreitada de obras públicas, compra e venda e locação financeira, o negócio jurídico estava sujeito ao cumprimento de outros normativos legais, designadamente a submissão a fiscalização prévia do TdC, atento o disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 46.º da LOPTC, o que não se verificou.

  13. As ilegalidades acima identificadas são suscetíveis de determinar responsabilidade financeira reintegratória nos termos dos n.ºs 1 e 4, do artigo 59.º e sancionatória, nos termos das alíneas b), h) e l), do n.º 1 do artigo 65.º, todos da LOPTC.

  14. Os responsáveis pela prática destas infrações são B…, então Presidente da CMC, o atual Presidente da CMC, A… (então Vereador) e a Vereadora C… .

  15. Em sede de contraditório, a entidade e os indiciados responsáveis alegaram, em síntese, que:

    • Todo o procedimento que conduziu à celebração do contrato promessa de arrendamento se alicerçou em pareceres jurídicos elaborado por juristas externos ao Município;

    • Não celebraram um contrato de empréstimo ou mesmo de empreitada de obras públicas;

    • Não tiveram intenção de praticar qualquer ato com vista a defraudar a lei e a sua conduta decorreu de erro sobre a ilicitude não censurável;

    • Pelo que devem ser absolvidos da prática das infrações financeiras que lhes foram imputadas, por se verificar uma causa de exclusão da culpa ou concluir-se que as infrações foram praticadas a título de negligência, com relevação ou redução da responsabilidade financeira reintegratória, e ainda a dispensa ou redução da aplicação de multa, no caso da responsabilidade financeira sancionatória.

  16. Salienta-se que o MC resolveu o contrato por incumprimento da contraparte e diligenciou pelo ressarcimento e reembolso da quantia paga antecipadamente (369 000,00 €) através da promoção de uma queixa-crime com pedido de prestação de caução económica, bem como um pedido de arresto preventivo de bens, ações que ainda se encontram em curso.

O Tribunal de Contas recomendou ao Município de Caminha o cumprimento dos dispositivos legais referentes:

  • À assunção e à autorização da despesa, designadamente as alíneas a) e c) do n.º 3 do artigo 52.º da LEO, o n.º 1 do artigo 1076.º do CC e o n.º 7 do artigo 49.º do RFALEI;

  • Aos princípios da prossecução do interesse público e da boa administração previstos nos artigos 4.º e 5.º do CPA, bem como da equidade intergeracional previsto na alínea f) do n.º 1 do artigo 3.º do RFALEI;

  • Às regras da contratação pública, em especial os artigos 16.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 292.º do CCP, bem como dos princípios gerais aplicáveis em matéria de contração pública, designadamente os da prossecução do interesse público, da concorrência, da imparcialidade, da transparência e da publicidade constantes do artigo 1.º-A do CCP, aplicáveis por força, da alínea c) do n.º 2 do artigo 4.º do mesmo código; e

  • À remessa de atos/contratos para fiscalização prévia do TdC e previstos, designadamente o artigo 46.º da LOPTC.

 

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