REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS
RESPONSABILIDADES FINANCEIRAS
 

ACÓRDÃO N.º 3/2024 – 3ª S/PL
2024-01-31
Recurso Ordinário n.º 3/2023

Processo n.º 18/2022-JRF

Relator: Conselheiro Paulo Dá Mesquita
*“com declaração de voto”

DESCRITORES

ASSUNÇÃO DE RESPONSABILIDADES / AUTARQUIA LOCAL / ENTIDADE COMPETENTE / EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE / IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO / INCONSTITUCIONALIDADE / INFRAÇÃO FINANCEIRA / LEGALIDADE FINANCEIRA / NORMA FINANCEIRA / NORMA SANCIONATÓRIA / OMISÃO DE CONDUTA / REGIME FINANCEIRO / RESPONSABILIDADE FINANCEIRA SANCIONATÓRIA.
 

SUMÁRIO

  1. O poder cognitivo do Tribunal de recurso para julgamento de matéria de facto depende da satisfação pelos recorrentes dos ónus de especificação dos pontos de facto impugnados, das concretas decisões que pretendem sobre esses pontos de facto e dos meios de prova que suportam a pretensão.

  2. As normas sobre infrações financeiras sancionatórias constantes das várias alíneas do artigo 65.º, n.º 1, da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas (LOPTC) podem ser qualificadas como normas sancionatórias primárias autónomas entre si cujas previsões devem ser complementadas por normas de conduta ou normas sancionatórias secundárias.

  3. A identificação dos elementos necessários para imputação objetiva do tipo de ilícito extraído da conjugação das normas dos artigos 65.º, n.º 1, alínea d), da LOPTC e 21.º, n.os 1, 2, 4 e 5, do regime financeiro das autarquias locais e das entidades intermunicipais (RFALEI) deve ser empreendida à luz de uma compreensão sistemático-teleológica da jurisdição própria do TdC de controlo de legalidade financeira e de uma interpretação que tenha por referência o enquadramento dogmático de categorias de direito sancionatório.

  4. A consumação do tipo infracional extraído da conjugação das normas dos artigos 65.º, n.º 1, alínea d), da LOPTC e 21.º, n.os 1, 2, 4 e 5, do RFALEI não depende da prova de uma relação causal entre a ilegalidade e um efetivo prejuízo relativo a preços inferiores a custos suportados.

  5. A conduta dos autarcas que se abstiveram de levar a cabo ou promover os atos especificados nos números 2, 4 e 5 do artigo 21.º do RFALEI, além de ilegal por violação de regras de Direito Financeiro (o que por si só implica a consumação do ilícito), teve aptidão para gerar o risco de preços e demais instrumentos de remuneração não serem inferiores aos custos direta e indiretamente suportados e provocou um perigo concreto de ocorrência desse resultado.

  6. A norma do n.º 2 do artigo 61.º da LOPTC em conjugação com a do n.º 1 do artigo 80.º-A do RFALEI estabelece quanto a autarcas uma causa de exclusão da responsabilidade associada a uma forma vinculada relativa a atuação conformada por adoção de informação prestada por estações competentes, i.e., entidades dotadas de habilitação legal ou regulamentar para intervir na fase final do procedimento administrativo que precede a formação do ato decisório, independentemente de essa intervenção ser obrigatória ou facultativa.

  7. Ao regime substantivo da responsabilidade financeira sancionatória aplica-se subsidiariamente a norma do artigo 10.º, n.º 1, do Código Penal.

  8. A apreciação da conduta de um específico agente como reportada a eventual infração por ação ou omissão exige a respetiva compreensão normativa em detrimento de estritas captações naturalistas da realidade fáctica em causa.

  9. A responsabilização de um agente ou funcionário de autarquia local pela circunstância de o órgão executivo competente ter omitido a conduta que lhe era imposta por norma sancionatória secundária depende de aquele ter prestado esclarecimento erróneo sobre a matéria relevante para efeitos da violação da norma pelos autarcas responsáveis.

  10. A violação da norma de conduta do artigo 11.º-A, n.º 1, do regime jurídico dos serviços municipais de abastecimento público de água, de saneamento de águas residuais e de gestão de resíduos urbanos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 194/2009, de 20-8, é suscetível de enquadramento na norma sancionatória principal do artigo 65.º, n.º 1, alínea d), da LOPTC.

  11. O dirigente com competência para elaborar propostas que vêm a ser assumidas pelo executivo camarário, ainda que não produza uma informação jurídica que faça operar a exclusão da responsabilidade dos autarcas, se tiver uma intervenção essencial num processo causal de ilícito comissivo ou por ação que se vem consumar com a deliberação do executivo pode incorrer em responsabilidade financeira sancionatória, atenta, nomeadamente, a disposição do artigo 61.º, n.º 3, ex vi artigo 67.º, n.º 3, da LOPTC.

  12. O concreto preenchimento da norma sancionatória secundária do artigo 98.º, n.º 4, da LOE 2015 é subsumível às normas sancionatórias principais das alíneas b) e i) do n.º 1 do artigo 65.º da LOPTC, sendo insuscetível de enquadramento nas alíneas a) e d) do referido preceito legal.

  13. Não padecem de inconstitucionalidade por violação dos artigos 2.º e 29.º, n.º 1, da CRP:

13.1.   A norma sancionatória extraída da conjugação da alínea d) do n.º 1 do artigo 65.º da LOPTC com o artigo 21.º, n.os 1, 2, 4 e 5, do RFALEI;
 
13.2.   A norma sancionatória extraída da conjugação da alínea d) do n.º 1 do artigo 65.º da LOPTC com o artigo 11.º-A, n.º 1, do regime jurídico dos serviços municipais de abastecimento público de água, de saneamento de águas residuais e de gestão de resíduos urbanos;
 
13.3.   As normas sancionatórias extraídas da conjugação das alíneas b) e i) do n.º 1 do artigo 65.º da LOPTC com o artigo 98.º, n.º 4, da Lei do Orçamento de Estado para 2015.

 

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