REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS

RELATÓRIO DE AUDITORIA
N.º 3/2024 -1ªS/SS

ACOMPANHAMENTO DA EXECUÇÃO
DO CONTRATO DE EMPREITADA
DE “CONSTRUÇÃO DO NOVO HOSPITAL
CENTRAL DO ALENTEJO – CENTRO
HOSPITALAR DO BAIXO ALENTEJO”
OUTORGADO PELA ADMINISTRAÇÃO
REGIONAL DE SAÚDE DO ALENTEJO, I.P.

2024-04-23
Processo n.º 1/2022 – AUDIT

Relator: Conselheiro Miguel Pestana de Vasconcelos

 

DESCRITORES

ASSESSORIA JURÍDICA / CONTRAPRESTAÇÃO / CONTRATO DE EMPREITADA / ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA / FISCALIZAÇÃO CONCOMITANTE / FUNDAMENTAÇÃO LEGAL / HONORÁRIO / HOSPITAL / INFRAÇÃO FINANCEIRA / PAGAMENTO INDEVIDO / PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA / REEQUILÍBRIO FINANCEIRO / RESPONSABILIDADE FINANCEIRA REINTEGRATÓRIA / RESPONSABILIDADE FINANCEIRA SANCIONATÓRIA / TRIBUNAL ARBITRAL.
 

SUMÁRIO

Em 28.12.2020, a Administração Regional de Saúde do Alentejo, I.P. celebrou com a ACCIONA Construcción, S.A., o contrato de empreitada de “Construção do novo Hospital Central do Alentejo – Centro Hospitalar do Baixo Alentejo”, na sequência de concurso público com publicidade no Jornal Oficial da União Europeia, pelo valor de 148.917.509,73 € e prazo de execução de 910 dias.

No decurso da execução da empreitada, após outorga de compromisso arbitral pelas partes, em 21.04.2022, foi constituído um tribunal arbitral ad hoc, que tem por objeto dirimir a pretensão compensatória, indemnizatória ou de reequilíbrio financeiro da cocontratante, tendo o valor da ação arbitral sido fixado em 71.119.022,76 € e o valor total dos encargos com os honorários dos árbitros e custos administrativos em 353.700,53 €, dos quais 176.850,27 € incumbem à Administração Regional de Saúde do Alentejo, I.P.

A constituição do tribunal arbitral ad hoc decorreu de proposta apresentada pela ACCIONA Construcción, S.A., aceite pela Administração Regional de Saúde do Alentejo, I.P. sem que estivesse obrigada a tal, na medida em que, atento o disposto no artigo 182.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, não assistia à empresa um direito potestativo à celebração do compromisso arbitral.

A possibilidade de recurso ao tribunal arbitral ad hoc para dirimir eventuais litígios entre as partes não se encontrava prevista no contrato de empreitada (nem nos documentos procedimentais). Ao invés, o caderno de encargos e o contrato de empreitada dispunham de uma cláusula de foro administrativo (recurso ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja), pelo que a constituição do tribunal arbitral ad hoc, no contexto em que ocorreu (pedido do cocontratante e invocação de alteração anormal e imprevisível das circunstâncias de outorga do contrato), não se encontrava suficientemente fundamentada e foi ilegal.

Acresce que a deliberação, proferida em 22.12.2021, pelo Conselho Diretivo da Administração Regional de Saúde do Alentejo, I.P., no sentido da constituição do tribunal arbitral ad hoc carecia de específica e determinada fundamentação legal e pressupunha a realização de uma avaliação prévia, nos termos do disposto no artigo 476.º, n.ºs 3 e 4, respetivamente, do Código dos Contratos Públicos, norma cujos pressupostos também não se verificavam.

Na sequência de contraproposta da Administração Regional de Saúde do Alentejo, I.P. os encargos com o tribunal arbitral ad hoc, no montante de 353.700,53 €, representaram um acréscimo de 172% da despesa em relação ao montante inicialmente proposto pela cocontratante, de 130.000,00 €, sem fundamentação, com desrespeito pelo disposto no artigo 476.º, n.º 4, do Código dos Contratos Públicos e do artigo 5.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo.

Estas ilegalidades na constituição do TA ad hoc, bem como a não fundamentação das custas do processo arbitral, são suscetíveis de consubstanciar infração financeira sancionatória prevista na alínea l) do n.º 1 do artigo 65.º da LOPTC, imputável aos membros do Conselho Diretivo da Administração Regional de Saúde do Alentejo, I.P.

O pagamento dos honorários do árbitro-presidente e da secretária do Tribunal Arbitral ad hoc têm vindo a ser realizados a uma sociedade de advogados e não diretamente às pessoas designadas para o exercício de tais funções, o que carece de fundamento legal, nos termos do disposto no artigo 770.º, alínea a), do Código Civil, e representa um enriquecimento sem causa daquela sociedade, conferindo à Administração Regional de Saúde do Alentejo, I.P., o direito à repetição do indevido, atento o disposto no artigo 476.º, n.º 2, também do Código Civil.

Considerando que tais pagamentos à sociedade de advogados, no montante de 28.366,74 € (com IVA), não respeitaram a qualquer contraprestação efetiva, são suscetíveis de ocasionar responsabilidade financeira reintegratória, nos termos do artigo 59.º, n.ºs 1 e 4, da LOPTC, imputável aos membros do Conselho Diretivo da Administração Regional de Saúde do Alentejo, I.P.

Estes mesmos pagamentos ilegais são, também, suscetíveis de consubstanciar a infração financeira prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 65.º da LOPTC, por violação das normas legais sobre pagamento de despesas públicas, designadamente o artigo 52.º, nºs 3 e 4, da Lei de Enquadramento Orçamental, gerando responsabilidade financeira sancionatória, imputável aos membros do Conselho Diretivo da Administração Regional de Saúde do Alentejo, I.P.

A Administração Regional de Saúde do Alentejo, I.P., aceitou que o tribunal arbitral ad hoc ficasse sedeado no escritório da mesma sociedade de advogados, o que constitui um desrespeito do princípio da transparência e da separação em todos os níveis entre a advocacia e um tribunal arbitral.

A contratação pela Administração Regional de Saúde do Alentejo, I.P., de serviços de assessoria jurídica, no âmbito processo arbitral, com uma outra sociedade de advogados, por ajuste direto, nos termos do artigo 27.º, n.º 1, alínea b), do Código dos Contratos Públicos, no valor de 97.500,00 €, foi ilegal, por falta de fundamentação que permitisse aferir do enquadramento legal.

Esta ilegalidade é também suscetível de consubstanciar infração financeira prevista na alínea l) do n.º 1 do artigo 65.º da LOPTC, imputável aos membros do Conselho Diretivo da Administração Regional de Saúde do Alentejo, I.P.

 

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