DESCRITORES
ARTIGO 5.º, N.º 1, AL. C), DA LOPTC / ARTIGO 96.º, N.º 1, AL. H) E 7, DO CCP / ARTIGOS 14.º, N.º 1 E 25.º, N.º 5, AL. B), DO DECRETO-LEI N.º 133/2013, DE 03/01 / EMPRESA LOCAL NÃO RECLASSIFICADA / ENCARGOS PLURIANUAIS / ENCARGOS SUPORTADOS POR FINANCIAMENTO / FALTA DA AUTORIZAÇÃO PRÉVIA DO TITULAR DA FUNÇÃO ACIONISTA / FINANCIAMENTO INDIRETO / NORMA FINANCEIRA / NULIDADE DO CONTRATO.
SUMÁRIO
- O TdC tem entendido que a aplicabilidade da 2.ª parte do art.º 5.º, n.º 1, al. c), da LOPTC, pressupõe a verificação dos seguintes requisitos cumulativos: (i) que as entidades em causa, qualquer que seja a sua natureza, tenham sido criadas pelo Estado ou por quaisquer outras entidades públicas; (ii) para desempenhar funções administrativas originariamente a cargo da AP, isto é, que visem a satisfação de necessidades coletivas, pré-existentes, que estivessem a cargo da AP, que passem a ser-lhes cometidas, o que exclui o desempenho de novas funções administrativas; (iii) com encargos suportados por financiamento direto ou indireto, incluindo a constituição de garantias, da entidade que os criou;
- No que se refere ao entendimento a dar à expressão legal “encargos suportados por financiamento”, tem sido jurisprudência deste TdC que para o preenchimento dos pressupostos do art.º 5.º, n.º 1, al. c), da LOPTC, exige-se: (iv) que haja um financiamento, direto ou indireto, que pode incluir a constituição de garantias. A interpretação a dar à expressão “financiamento”, deve ser uma interpretação alargada, pois a norma é expressa na indicação de que se quer abranger todos os tipos de financiamento; (v) que esse financiamento corresponda a fluxos financeiros ou a financiamentos que permitem a subsistência da entidade criada, quer porque se destinam a suportar as suas atividades, quer porque se apartam de uma lógica mercantil ou de uma verdadeira remuneração pelas vendas e serviços por aquela prestados em mercado concorrencial. (vi) que ocorra um verdadeiro financiamento, ou que substancialmente ocorra um financiamento, ou seja, que o valor transferido sirva efetivamente para custear os encargos, tenha algum relevo nessa equação financeira. Assim, ficarão de fora da norma as situações em que haja uma transferência de valor irrelevante, em que a atividade mercantil ou os outros rendimentos sejam manifestamente a fonte primordial de financiamento da Entidade fiscalizada;(vii) que o financiamento seja oriundo da(s) entidade(s) que criaram a Entidade fiscalizada. Portanto, do campo da norma excluem-se os financiamentos com diferentes origens; (viii) que o financiamento vise suportar encargos. Assim, ficam de fora do campo da norma financiamentos para outros fins que não relativos a despesas ou custos correntes, v.g., financiamentos para investimento. (ix) que haja alguma regularidade e/ou atualidade no financiamento. Nesta medida, ficarão de fora do campo da norma situações muito pontuais, não regulares e que sejam relativas a anos económicos passados. Subsumem-se na norma as situações de financiamento regular, recorrente. Também se subsumem na norma as situações de financiamento atual, isto é, quando o financiamento (substancial, como acima indicamos) ocorra no mesmo ano económico do ato ou contrato submetido a fiscalização;
- No que se refere ao entendimento a dar à expressão legal financiamento indireto, a jurisprudência em sede de visto tem apontado para a necessidade de se apreciarem os valores auferidos por estas entidades quanto à sua origem e proporções;
- Se se verificar um volume muito significativo de transferências financeiras das entidades criadoras para a empresa pública criada, para pagar ou remunerar serviços, por estas prestados àquelas, para arredar a circunstância de ocorrer um financiamento indireto, há que averiguar se as contratações que estão na base destas transferências ocorreram no desenvolvimento de uma atividade efetivamente de mercado;
- Só as transferências resultantes de uma atividade mercantil ficam fora do conceito de financiamento indireto. Por seu turno, para ocorrer uma atividade mercantil, a empresa pública criada tem de desenvolver a sua atividade no mercado, em igualdade e em concorrência com os restantes operadores;
- Se ocorrer uma situação de favorecimento da posição negocial, ou se a empresa criada for a contratada por mera escolha das entidades que a criaram, se a contratação se fizer em regime de exclusividade, com total discriminação dos restantes prestadores que operam no mercado concorrencial, que não puderam aceder à correspondente contratação, nem apresentar os seus preços, para concorrer com os preços apresentados com os da empresa local, então, as transferências que se verificam entre a empresa criada e as entidades que a criaram não ocorrem no âmbito de uma atividade verdadeiramente mercantil;
- Igualmente, a empresa criada não exerce uma atividade mercantil se, pura e simplesmente, não existe mercado e desenvolve a sua atividade unicamente em prol das entidades que a criaram, satisfazendo os interesses públicos destas últimas;
- Existem encargos plurianuais quando se celebram contratos que implicam uma despesa que ultrapassa temporalmente o orçamento económico de mais de um ano civil;
- Às empresas locais não reclassificadas aplicam-se os art.ºs 14.º, n.º 1 e 25.º, n.º 5, al. b), do Decreto-Lei n.º 133/2013, de 03/01;
- Nos termos dos art.ºs 14.º, n.º 1 e 25.º, n.º 5, al. b), do Decreto-Lei n.º 133/2013, de 03/01, carece sempre de autorização prévia do titular da função acionista “a celebração de todo e qualquer ato ou negócio jurídico do qual resultem para a empresa responsabilidades financeiras efetivas ou contingentes que ultrapassem o orçamento anual, ou que não decorram do plano de investimentos aprovado pelo titular da função acionista”;
- O art.º 67.º do Decreto-Lei n.º 133/2013, de 03/01, impõe a aplicação de certas normas dos Capítulos I e II às empresas locais, mas não afasta, necessariamente, a aplicação das restantes, também ali contidas;
- Essa mesma autorização está prevista para as empresas locais – reclassificadas - às quais se aplica o preceituado nos art.ºs 6.º, n.º 1, al. a), da LCPA, aprovada pela Lei n.º 8/2012, de 21/02, 11.º do Decreto-Lei n.º 127/2012, de 21/06, 45.º, n.º 8, do Decreto-Lei n.º 10/2023, de 08/02, 22.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 197/99, de 08/06, 25.º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28/07, 14 e 52.º , n.º 8, da LEO, que igualmente exigem a prolação de uma autorização das tutelas para a assunção de compromissos plurianuais;
- A exigência de uma autorização prévia e autónoma das tutelas é também feita para quase toda administração pública – central, regional e local, direta, indireta – cf. art.ºs 6.º, n.º 1, al. a), da LCPA, 11.º do Decreto-Lei n.º 127/2012, de 21/06, 45.º, n.º 8, do Decreto-Lei n.º 10/2023, de 08/02, 22.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 197/99, de 08/06, 25.º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28/07, 52.º , n.º 8, da LEO;
- Deve operar aqui o princípio da unidade e da harmonia do sistema jurídico, que exige que se entenda que para todas as empresas públicas, sejam de âmbito nacional, regional ou local, o legislador quis instituir um sistema de controlo das despesas plurianuais que pressupõe uma autorização prévia e autónoma dos órgãos que exercem a respetiva tutela ou a função acionista, porquanto, são estes órgãos os responsáveis últimos pelos orçamentos apresentados por estas empresas;
- A intenção expressa do legislador do Decreto-Lei n.º 133/2013, de 03/01, foi criar um novo regime normativo, mais coerente, qua abrangesse todas as empresas públicas nas “matérias nucleares”. Também se quis introduzir um quadro mais exigente de controlo destas empresas, a par de um novo modelo de controlo pelos titulares da função acionista, que fosse mais efetivo e lhes permitisse um acompanhamento permanente e uma decisão informada. Como fito, último deste diploma quis-se um mais claro, transparente e eficaz e um maior controlo da legalidade e da boa gestão pública;
- Neste enquadramento, não faz sentido interpretar o art.º 67.º, do Decreto-Lei n.º 133/2013, de 03/01, como pretendendo afastar a exigência da autorização do titular da função acionista no que diz respeito às despesas plurianuais (só) relativamente às empresas locais não reclassificadas;
- A não existência da autorização do titular da função acionista para a assunção do encargo plurianual implica a violação do art.º 25.º, n.º 5, al. b), do Decreto-Lei n.º 133/2013, de 03/10, que é uma norma financeira. Ocorre aqui fundamento para a recusa de visto, nos termos do art.º 44.º, n.º 3, al. b), parte final, da LOPTC;
- Para além disso, o contrato sob fiscalização não cumpre o determinado no 96.º, n.ºs 1, al. h), do CCP, pelo que padece de uma invalidade que lhe é própria, e que implica a sua nulidade, conforme o n.º 7 do art.ºs 96.º e o art.º 284.º, do CCP e essa nulidade é, igualmente, fundamento da recusa de visto, conforme art.º 44.º, n.º 3, al. a), da LOPTC.
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