REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS
CONTROLO PRÉVIO E CONCOMITANTE
 

ACÓRDÃO N.º 31/2023 – 1ªS/SS
2023-11-21
Processos n.os 571 e 574/2023

Relator: Conselheiro Nuno Miguel P. R. Coelho

DESCRITORES

CONTRATO DE EMPRÉSTIMO / CONTRATO INTERADMINISTRATIVO / ENDIVIDAMENTO MUNICIPAL / FISCALIZAÇÃO PRÉVIA / HABITAÇÃO / INSTRUÇÃO DO PROCESSO / NULIDADE / PAGAMENTO EM ATRASO / RECUSA DE VISTO.
 

SUMÁRIO

  1. A isenção introduzida pelo Art.º 48.º da Lei n.º 56/2023, de 06/10, ao Art.º 47.º, n.º 1, al. i), da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas (LOPTC), só pode ser compreendida como uma isenção relativa aos contratos interadministrativos que se celebrem no âmbito das politicas da habitação ou da “Nova Geração de Políticas de Habitação”, isto porque a busca de sentido e alcance daquela norma de isenção não pode deixar de ter uma preocupação sistemática, um enquadramento contextualizador e uma preocupação teleológica, para além do enunciado genérico que nos oferece a letra do mesmo preceito legal.

  2. Cabe à entidade fiscalizada o cumprimento do ónus de alegação e prova dos requisitos legais para a obtenção do visto neste processo de fiscalização prévia que tem por finalidade, designadamente, verificar a conformidade legal de atos, contratos ou outros instrumentos geradores de despesa, e, em particular quanto aos instrumentos geradores de dívida pública, verificar a observância de limites de endividamento e suas finalidades, o que envolve necessariamente, e nessa medida, o controlo de dívida pública fundada (Art.º 44.º, n.ºs 1 e 2, da LOPTC), estando sujeitos à sua incidência todos os atos, contratos e instrumentos de que resulte aumento de dívida pública fundada, nomeadamente de autarquias locais (Art.º 46.º, n.º 1, alínea a), com referência aos Art.ºs 2.º, nº 1, alínea c), e 5.º, n.º 1, alínea c), todos da LOPTC).

  3. Os contratos de empréstimo que o Município fiscalizado pretende transferir para a esfera do Município, através das adendas contratuais em análise, representam para a mesma entidade encargos financeiros relevantes, sendo que a sua eficácia depende do cumprimento da exigência de submissão a fiscalização prévia, nos termos da alínea a) do n.º 1 do citado Art.º 46.º da LOPTC.

  4. Na presente situação constata-se uma indefinição quanto a aspetos fulcrais do regime procedimental do endividamento municipal e ainda no que respeita ao próprio ciclo da despesa (se não se sabe quais os montantes do crédito e dos juros, como se procedeu ao cabimento, compromisso, calendarização anual dos encargos plurianuais e respetiva autorização), ficando-se sem saber, do mesmo modo, qual o impacto financeiro destas adendas contratuais nas contas do Município.

  5. Tornando-se evidente que o Município fiscalizado não cumpriu de forma adequada os seus deveres de instrução processual e que esse incumprimento conduz, inevitavelmente, à recusa de concessão de visto a ambos os acordos de cessão de posição contratual.

  6. Por seu turno, a situação da deliberação de internalização das obrigações financeiras decorrentes das cessões de posição contratual não ter sido precedida da verificação dos pressupostos a que a lei obriga (cfr. Art.ºs 48.º a 52.º do RFALEI, Art.º 52.º, n.º 3 da Lei de Enquadramento Orçamental, e Art.º 22.º, n.ºs 1 e 6 do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de junho), implica a respetiva nulidade, tanto pelo disposto nos Art.ºs 4.º, n.º 2, do RFALEI e 59.º, n.º 2, al c), da Lei 75/2013, de 12/09, como do Art.º 5º, nº3, da Lei dos Compromissos e dos Pagamentos em Atraso das Entidades Públicas (LCPA - Lei n.º 8/2012, de 21/02), constatando-se, do mesmo modo, que não vieram a concretizar-se deliberações posteriores que pudessem ter sanado as ilegalidades detetadas.

  7. Também assim, o mesmo Município não tem fundos disponíveis que lhe permitam suportar o compromisso assumido referente à despesa gerada pelos documentos submetidos a fiscalização prévia e não se encontra abrangido por nenhuma suspensão decorrente da utilização de financiamento destinado a reduzir os pagamentos em atraso no âmbito de um programa de assistência económica.

  8. Assim, a falta de fundos disponíveis para suportar a despesa gera a nulidade do contrato e do compromisso, tudo nos termos do disposto nos Art.ºs 5.º, n.º 3, da LCPA e 7.º, n.º 3 e 8.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 127/2012, de 21/06, em conjugação com o regime geral dos contratos públicos (cfr. Art.º 285.º, n.º 1, do Código dos Contratos Públicos e 161.º, n.º 1, do CPA).

  9. Porque não têm por base atos e contratos devidamente sujeitos a fiscalização prévia deste TdC, os presentes acordos de cessão acabam, também por essa via, por corresponder à assunção de dívida pública fundada nova, desrespeitando a advertência jurisdicional que lhe foi reafirmada no âmbito de processo anterior e, do mesmo modo, o disposto no Art.º 46.º, n.º 1, al a), da LOPTC.

  10. As nulidades contratuais verificadas são fundamento absoluto de recusa de visto, e não permitem a sua concessão ainda que acompanhada de eventuais recomendações, atento o disposto no Art.º 44.º, n.º 3, alíneas a) e b), e n.º 4 (este a contrario sensu), da LOPTC – assim, em situações análogas de fundamento de recusa de visto, os acórdãos deste TdC n.ºs 15/2020 – 1.ª S/SS, de 3/3/2020, 46/2020 - 1.ª S/PL, de 17/11/2020, e 28/2023, 1.ª Secção-SS, de 31/10/2023.

 

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