REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS
CONTROLO PRÉVIO E CONCOMITANTE
 

ACÓRDÃO N.º 17/2023 – 1ªS/SS
2023-06-06
Processo n.º 239/2023

Relator: Conselheiro Miguel Pestana de Vasconcelos

DESCRITORES

ALTERAÇÃO DO RESULTADO FINANCEIRO POR ILEGALIDADE / AQUISIÇÃO DE BENS / AQUISIÇÃO DE SERVIÇOS / EXPERIÊNCIA PRÉVIA / PRINCÍPIO DA CONCORRÊNCIA / PRINCÍPIO DA IGUALDADE / RECUSA DE VISTO / RESTRIÇÃO DE CONCORRÊNCIA.
 

SUMÁRIO

  1. A aquisição de bens ou serviços no mercado para a satisfação de necessidades públicas por via de contratação tem no seu cerne o princípio da concorrência, de forma a permitir a obtenção do melhor resultado económico na relação custo/benefício. Para tal, é necessário que os diversos agentes possam concorrer entre si na apresentação de propostas.
  2. A introdução de limitações injustificadas ou desproporcionadas atinge não só o interesse do Estado, mas o das próprias empresas a quem é, por essa via, negado o acesso a determinados mercados públicos, o que viola o princípio da igualdade, estruturante da atuação das entidades públicas.
  3. A exigência, no caderno de encargos, como requisitos mínimos, aos consultores e ao gestor, de experiência prévia em projetos relacionados com o Cartão de Cidadão ou Chave Móvel Digital, e ainda, de experiência “na gestão e coordenação de equipas intra e interministeriais, de, pelo menos, 2 anos, limita a concorrência.
  4. Os requisitos ligados à experiência prévia implicam uma restrição da concorrência, com efeito fortemente limitativo do universo de potenciais cocontratantes, suscetível de gerar um efeito de exclusividade sucessiva: só aqueles que tenham tido contratos sobre esse serviço com aquela entidade podem concorrer; só com aqueles com quem tenha contatado poderá a entidade pública, por força das limitações que se autoimpõe, contratar.
  5. Da argumentação nada se retira quanto à necessidade específica ligada ao serviço de consultadoria a prestar, que exija que só um gestor e consultores com experiência prévia em projetos relacionados com o Cartão de Cidadão ou Chave Móvel Digital o possa realizar. Também não se retira que outras entidades, sem experiência direta naquele particular serviço, mas com competência técnica para aquele âmbito de atividade, não o possam fazer.
  6. Acresce que a exigência de o gestor ter experiência “na gestão e coordenação de equipas intra e interministeriais, de pelo menos 2 anos” restringe, ainda mais, o leque de potenciais concorrentes, já de si estreito, em clara violação do artigo 1.º-A, n.º 1 do CCP.
  7. As ilegalidades em causa limitam fortemente a concorrência ao restringir a participação de outros agentes económicos que poderiam ter apresentado melhores propostas, potenciando a alteração do resultado financeiro do contrato – que é fundamento da recusa de visto nos termos do artigo 44.º, n.º 3, alínea c) LOPTC.

 

TRANSFERIR TEXTO INTEGRAL