REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS
CONTROLO PRÉVIO E CONCOMITANTE
 

ACÓRDÃO N.º 9/2023 – 1ªS/SS
2023-03-28
Processo n.º 2073/2022

Relator: Conselheiro Nuno Miguel P. R. Coelho

DESCRITORES

ALTERAÇÃO DO RESULTADO FINANCEIRO POR ILEGALIDADE / AVALIAÇÃO DAS PROPOSTAS / CADERNO DE ENCARGOS / CONTRATAÇÃO PÚBLICA / CRITÉRIO DA PROPOSTA ECONOMICAMENTE MAIS VANTAJOSA / CRITÉRIO DE ADJUDICAÇÃO / DOCUMENTOS / EXCLUSÃO DA PROPOSTA / EXECUÇÃO DO CONTRATO / FATORES DE AVALIAÇÃO / PRINCÍPIO DA CONCORRÊNCIA / RECUSA DE VISTO.
 

SUMÁRIO

  1. Num contrato público celebrado na sequência de concurso público a adjudicação é sempre realizada por apelo ao critério da proposta economicamente mais vantajosa – cfr. Art.º 74.º, n.º 1, do Código dos Contratos Públicos (CCP) – determinada através de uma das duas modalidades multifator ou monofator previstas legalmente.

  2. Por seu turno, o Art.º 70.º, n.º 1 do mesmo CCP dispõe que as propostas são analisadas em todos os seus atributos, representados pelos fatores e subfatores que densificam o critério de adjudicação e termos ou condições, sendo as propostas constituídas e formalizadas nos moldes descritos nos Art.ºs 56.º e ss. do mesmo CCP.

  3. Como decorrência lógica de tal regime, devem ser excluídas as propostas que não sejam constituídas por todos os documentos exigidos, nomeadamente documentos que em função do objeto do contrato a celebrar e dos aspetos da sua execução submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, contenham os atributos da proposta, de acordo com os quais o concorrente se dispõe a contratar, bem como aquelas que apresentem algum dos atributos que violem os parâmetros base fixados no caderno de encargos ou que apresentem quaisquer termos ou condições que violem aspetos da execução do contrato a celebrar, por aquele não submetidos à concorrência – cfr., conjugadamente, os Art.ºs 57.º, n.º 1, alínea b), 70.º, n.º 2, alíneas a) e b), e 146.º, n.º 2, alínea d), todos do CCP.

  4. Assim, tal exclusão deve ter lugar quando as propostas ou a proposta em causa não incluem todos os elementos relativos a determinado fator – a saber, a expressa indicação do número de horas pelo qual se propunham executar o contrato – e quando ele se constitui como um atributo da proposta não sujeito a concorrência.

  5. Por outro lado, quando a entidade adjudicante opte pela determinação dessa proposta economicamente mais vantajosa pela modalidade multifator estatui o Art.º 139.º, n.º 1, do Código dos Contratos Públicos (CCP) que deve ser elaborado um modelo de avaliação das propostas que explicite claramente os fatores e os eventuais subfatores relativos aos aspetos da execução do contrato a celebrar submetidos à concorrência pelo caderno de encargos.

  6. Assim, a insuficiente e incoerente definição dos critérios de adjudicação conducente à apresentação e consequente escolha de propostas com características diferentes não se afigura uma opção sustentada em critérios de rigor, eficiência e de boa gestão que a lei impõe, na medida em que as propostas não são comparáveis entre si, nem resulta demonstrado que a proposta adjudicada tenha sido a mais favorável.

  7. O que se constata acontecer num critério de adjudicação em que no subfator horas só se pontua positivamente os concorrentes que apresentem uma proposta cuja execução excede o número de horas mínimas, mas não é indicado no caderno de encargos, designadamente nas suas cláusulas técnicas, que a proposta tinha como atributo não submetido à concorrência aquele número mínimo de horas; e que só estava submetido à concorrência o número de horas que excedesse aquele mínimo.

  8. E, ainda, quando no mesmo caderno de encargos (ou no seu complemento programa de procedimento), os potenciais concorrentes não conseguem retirar, com clareza, que tinham de indicar na sua proposta o número mínimo de horas que se propunham prestar (atributo não submetido à concorrência), nem que poderiam indicar um número de horas superior a esse, de forma a verem a sua proposta valorizada na avaliação (elemento submetido à concorrência).

  9. Sabendo, do mesmo modo, que os fatores de avaliação não podem conferir à entidade adjudicante uma liberdade incondicional na adjudicação de contratos públicos, isto porque aqueles mesmos fatores de avaliação devam ser suficientemente densificados e ser formulados em termos claros, precisos e unívocos.

  10. Esta indefinição lesa claramente os princípios da concorrência, publicidade e transparência que norteiam a contratação pública – Art.º 1.º-A, n.º 1 do CCP –, além da violação da legalidade dos princípios europeus sobre processo concorrencial aberto, em particular, os Art.ºs 107.º, n.º 1, 120.º, e 173.º, n.º 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

  11. A indefinição do critério de adjudicação, associada à omissão ou incoerência das necessárias cláusulas técnicas do caderno de encargos, e a falta de fixação dos limites mínimos neste caderno de encargos impossibilitaram a escolha da melhor proposta (“economicamente mais vantajosa”) e podem ter levado ao desincentivo à apresentação de eventuais melhores propostas, com eventuais repercussões no resultado financeiro do contrato, o que, nos termos da alínea c) do n.º 3 do Art.º 44.º da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas, constitui, de per si, motivo de recusa de visto do respetivo contrato.

  12. Do mesmo modo se podendo concluir que o resultado financeiro do procedimento de formação dos contratos seria outro caso não tivesse ocorrido a admissão ilegal da proposta vencedora e caso estivessem definidos de forma clara e objetiva o critério de avaliação e as cláusulas técnicas em falta.

 

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