REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS
RESPONSABILIDADES FINANCEIRAS
 

SENTENÇA N.º 4/2023 – 3ª S
2023-02-08
Processo n.º 9/2022-JRF

Relator: Conselheiro José Mouraz Lopes

DESCRITORES

CONSTITUCIONALIDADE / CONTRATOS RELACIONADOS / CONTRATAÇÃO PÚBLICA / CULPA / DIMINUIÇÃO DA CULPA / FRACIONAMENTO DE DESPESA / PROCESSO DE JULGAMENTO DE RESPONSABILIDADE FINANCEIRA / RESPONSABILIDADE FINANCEIRA SANCIONATÓRIA / URGÊNCIA / VISTO PRÉVIO.
 

SUMÁRIO

  1. As competências legalmente estabelecidas e diferenciadas, de modo pormenorizado, nos artigos 77º, 78º e 79º da LOPTC, relativamente às funções de auditoria, identificação de infrações e sua qualificação, bem como despoletar o processo de julgamento de responsabilidade financeira (MP ou OCI) e o julgamento, garantem de forma inequívoca o princípio do acusatório com referência à responsabilidade financeira, ou seja, “quem audita não julga”, não comportando qualquer colisão com qualquer norma ou princípio estabelecido na CEDH e na CRP.

  2. A composição e o quórum dos coletivos de juízes para julgamento de recurso, quer nas decisões da 1º secção, quer na 2ª secção, regulamentadas nos artigos 64º do Regulamento do Tribunal de Contas, assegura a situação de impedimentos que possam ocorrer por via do número de juízes da 3º secção e, nessa medida impede que nenhum juiz que interveio em auditoria, em decisão de primeira instância ou que tenha tomado «de outro modo posição sobre questões suscitadas nos recurso», possa, por isso, intervir em decisão de recurso, não violando por isso o principio da imparcialidade e do processo equitativo.

  3. A culpa é um elemento indispensável da responsabilização financeira, tanto na dimensão sancionatória como reintegratória, só ocorrendo uma situação de responsabilidade financeira quando a conduta do agente é efetuada por negligência ou por dolo. Não havendo responsabilidade financeira sem culpa do agente, não há qualquer colisão do regime da responsabilidade financeira com as exigências do princípio da culpa.

  4. A dimensão/requisito, «urgência» a que se refere o artigo 155º do CCP, ainda que se exprima por «um conceito indeterminado, a preencher pelo recurso a valores e às circunstâncias de cada caso» só pode dar-se por verificada quando se demonstre que a utilização de um procedimento normal resultaria ineficaz ou revelar-se-ia inidóneo para dar, em tempo oportuno, a resposta necessária a uma circunstância de risco ou perigo iminente e atual que se deva sobrepor àqueles interesses, por ameaçar seriamente a satisfação de um interesse público de maior relevo ou prioridade.

  5. A dimensão ilícita da proibição de fracionamento de despesa a que se alude do artigo 16º n.º 2 do Dec. Lei 197/99, de 8/06 («é proibido o fracionamento da despesa com a intenção de a subtrair ao regime previsto no presente diploma») exige uma intencionalidade especifica, envolvendo a subtração da despesa ao regime legal estabelecido no diploma, por parte de quem tem a capacidade de decidir sobre a despesa a utilizar nos procedimentos a levar a termo.

  6. Não ocorre a infração quando não tenha existido por parte de quem tem a capacidade de decidir qualquer intenção de fracionar despesa ao regime legal previsto (intencionalidade especifica).

  7. Nos termos do artigo artigos 46º n.º 1 alínea b) e artigos 48 n.º 2, da LOPTC e artigo 130º n.º 1 da Lei n.º 42/2016, são apresentados a visto os contratos de aquisição de bens que impliquem despesa nos termos do artigo 48º, quando reduzidos a escrito por força de lei. Para efeitos de dispensa de apresentação a visto à época, nos termos da LOPTC em vigor considera-
    -se o valor global dos atos e contratos que estejam ou aparentem estar relacionados entre si.

  8. Comete a referida infração quem não apresentou os contratos a visto, ainda que de valor individual de per si inferior a 350.000,00, mas que consubstanciam prestações alimentares (embora envolvendo diferentes tipos de alimentos, ainda que bacalhau e peixe) evidenciando que estavam relacionados entre si ou pelo menos «aparentavam» estar relacionados entre si.

  9. O Tribunal pode dispensar a multa quando a culpa do demandado for diminuta e não houver lugar à reposição ou esta tiver sido efetuada, sendo que a noção de culpa diminuta, tem o sentido de uma «quase ausência de culpa».

  10. Estando em presença de várias infrações diferenciadas cometidas em momentos distintos das funções de gestão do demandado, envolvendo vários procedimentos e com valores e significados diferentes, mesmo que cometidos de forma negligente, não se está em presença de uma situação de culpa diminuta que permita fazer funcionar o instituto da dispensa de multa.

 

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