REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS
RESPONSABILIDADES FINANCEIRAS
 

SENTENÇA N.º 23/2022 – 3ª S
2022-10-07
Processo n.º 5/2022-JRF

Relator: Conselheiro Paulo Dá Mesquita

DESCRITORES

ABSOLVIÇÃO / AÇÃO DE EFETIVAÇÃO DE RESPONSABILIDADE FINANCEIRA / ALTERAÇÃO DO RESULTADO FINANCEIRO POR ILEGALIDADE / CONTRATAÇÃO PÚBLICA / ENTIDADE REGULADORA / EXCEÇÃO DILATÓRIA / NULIDADE / ÓRGÃO DE CONTROLO INTERNO / PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO PRÉVIO / MINISTÉRIO PÚBLICO / SUSPEIÇÃO.
 

SUMÁRIO

  1. O procedimento administrativo que precede o exercício de ação de efetivação de responsabilidade financeira pelo Ministério Público (MP) pode ser uma auditoria levada a cabo por entidade qualificada como órgão de controlo interno (OCI) ou uma auditoria da 1.ª ou da 2.ª Secções do Tribunal de Contas (TdC).

  2. As entidades reguladoras estão abrangidas pelo «regime de jurisdição e controlo financeiro do TdC» o que compreende a sujeição a auditorias financeiras realizadas por OCI suscetíveis de operar como procedimento administrativo prévio de ação de efetivação de responsabilidade financeira.

  3. A decisão sobre o concreto OCI que devia ter conduzido a auditoria integra a «reserva de administração», pelo que, a decisão consensual de dois OCI no sentido de que o encargo para uma concreta auditoria competia a um desses organismos não pode ser reapreciada pelo Tribunal para efeitos de julgamento de exceção dilatória no contexto de processo de efetivação de responsabilidade financeira.

  4. Na medida em que a recusa do membro do Governo não foi suscitada pelos demandados durante o procedimento administrativo, a falta desse impulso sem que se verifique o conhecimento superveniente de facto relevante para aquele efeito obsta a que no quadro julgamento de exceções dilatórias do processo de efetivação de responsabilidade financeira o Tribunal possa apreciar a eventual omissão do dever administrativo de conhecer a suspeição do membro do Governo.

  5. O processo de efetivação de responsabilidade financeira apresenta natureza jurisdicional e integra-se num sistema em que o julgamento depende do exercício prévio de ação por entidade autónoma do órgão julgador e são reconhecidos aos demandados relativamente àquele requerimento inicial (que opera como acusação) os direitos de contestação por escrito e de participação na audiência de julgamento no âmbito da qual podem ser apresentadas provas e alegações sobre todas as questões de facto e de direito consideradas pertinentes pelos sujeitos processuais (audiência obrigatória quando o demandado não se conforma com o pedido do demandante e pretende um conflito dialético sobre os pressupostos de procedência da ação).

  6. Sendo o objeto do processo delimitado por uma ação intentada pelo MP que enquanto instituição autónoma representada no TdC pelo Procurador-Geral da República em termos de demanda exerce uma competência legal própria deve concluir-se que na medida em que um Tribunal independente vai julgar aquela ação estão devidamente salvaguardados os direitos constitucionais ao contraditório e à tutela jurisdicional efetiva protegidos, respetivamente, pelos artigos 32.º, n.º 10, e 20.º, n.os 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa.

  7. A violação de normas legais ou regulamentares relativas à contratação pública apenas preenche os elementos objetivos da infração prevista na primeira parte da alínea l) do n.º 1 do artigo 65.º da LOPTC quando: (a) É sancionável como nulidade; ou (b) apresenta aptidão ou perigo abstrato-concreto de impacto financeiro.

  8. A referida aptidão de impacto financeiro envolve um juízo sobre alteração potencial do resultado financeiro sustentado na conexão entre o(s) desvalor(es) consubstanciado(s) na violação de normas e princípios legais sobre contratação com o resultado envolvido no procedimento, não sendo necessário para o preenchimento do ilícito um concreto dano resultante de relação causal entre o específico vício e um prejuízo financeiro ou a prova de um perigo concreto desse prejuízo.

  9. Os três Demandados devem ser absolvidos quanto a todos os ilícitos que lhes foram imputados pelo MP (dezanove infrações a cada um dos dois primeiros e quinze infrações ao terceiro), julgando-se, em consequência, os pedidos formulados pelo MP totalmente improcedentes.

 

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