DESCRITORES
AJUSTE DIRETO / ALTERAÇÃO DO RESULTADO FINANCEIRO POR ILEGALIDADE / MODIFICAÇÃO OBJETIVA DO CONTRATO / NULIDADE / PRINCÍPIO DA CONCORRÊNCIA / PRINCÍPIO DA IGUALDADE / RECUSA DE VISTO / TRABALHOS COMPLEMENTARES.
SUMÁRIO
- O regime dos trabalhos complementares (arts. 370.º e segs. ex vi 447.º-A do CCP) foi consideravelmente alterado pela Lei 30/2021, de 21 de maio. Aí se estatui que “As alterações à parte iii do Código dos Contratos Públicos relativas a modificação de contratos e respetivas consequências aprovadas pela presente lei aplicam-se aos contratos que (…) se encontrem em execução à data da sua entrada em vigor, desde que o fundamento da modificação decorra de facto ocorrido após essa data.”
- A compra de um lote de 9 baterias que não faziam parte, por opção da entidade adjudicante, do contrato inicial de aquisição de 10 navios (e uma bateria) não constitui fundamento para a alteração de um contrato com outro, pelo que o regime dos trabalhos complementares aplicável ao contrato é o anterior às alterações introduzidas pela Lei n.º 30/2021, de 21 de maio.
- A submissão a visto de um contrato que visa uma modificação objetiva do contrato inicial, cujo objeto era o fornecimento de 10 navios de passageiros com propulsão elétrica a baterias (e 1 única bateria), destinados a assegurar o serviço público de transporte fluvial de passageiros entre as duas margens do Tejo na Área Metropolitana de Lisboa, para incluir nele, agora, a aquisição de 9 packs de baterias marítimas, essenciais para o funcionamento dos navios, e que foram excluídas inicialmente, por decisão da entidade fiscalizada, daquele contrato, é ilegal por (i) violação dos princípios da concorrência e da igualdade de tratamento (art. 1.º-A, n.º 1 CCP) e (ii) por violação do artigo 370.º ex vi artigo 447.º-A do CCP por falta de preenchimento dos requisitos da modificação objetiva do contrato.
- O contrato de compra dos navios cria (i) uma dependência da entidade pública relativamente ao fornecedor, sem que os bens objeto desse contrato e não integrados no contrato inicial possam, por ter sido subtraídos, vir a ser sujeitos a um procedimento aberto - favorecendo-se o contraente original e afastando todos os outros concorrentes da aquisição futura das 9 baterias, e (ii) uma dependência do preço que o beneficiário da exclusividade queira exigir pela venda das baterias.
- O contrato sujeito a fiscalização prévia não preenche os requisitos da modificação objetiva do contrato na redação anterior à introduzida pela Lei n.º 30/2021, porquanto (i) são trabalhos complementares aqueles cuja espécie ou quantidade não esteja prevista no contrato, não estando aqui incluídos os casos em que foi o próprio ente público a excluí-los do contrato, e (ii) os trabalhos complementares não resultam de circunstâncias imprevistas, uma vez que foi a entidade adjudicante que não quis incluir as baterias no concurso de aquisição dos navios. A aquisição futura das baterias não só não era imprevisível, como foi mesmo prevista.
- Quanto ao recurso a um eventual ajuste direto em vez da modificação objetiva do contrato, ele seria ilegal uma vez que a entidade adjudicante só pode recorrer ao ajuste direto se estiverem preenchidos os limites quantitativos ligados ao valor do contrato (artigos 19.º e seguintes do CCP), ou materiais, independentemente do valor quando se verifiquem alguma das circunstâncias previstas nos artigos 24.º e seguintes do CCP.
- Atendendo ao seu valor e à não verificação do critério material, o contrato seria sempre nulo por violação do procedimento exigido pela lei, uma vez que se recorre a um ajuste direto (modelo mais restritivo dos procedimentos fechados), quando se deveria ter recorrido a um procedimento aberto, maxime concurso público.
- O contrato sub judice viola o artigo 1.º-A, n.º 1 CCP, tendo essa ilegalidade alterado o resultado financeiro do contrato, o que é fundamento da recusa de visto nos termos do artigo 44.º, número 3, alínea c) da LOPTC.
- O contrato é nulo por violação do artigo 370.º CCP (ex vi artigo 454.º CCP), do artigo 16.º CCP (falta total de qualquer dos procedimentos para a formação de contratos) e do artigo 161.º, n.º 1, alínea l) CPA. A nulidade é fundamento de recusa de visto nos termos do artigo 44.º, n.º 3, alínea a) LOPTC.
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