DESCRITORES
CONTRATAÇÃO EXCLUÍDA / CONTRATAÇÃO IN HOUSE / CONTRATAÇÃO PÚBLICA / CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS / CONTRATO INTERADMINISTRATIVO / DEFESA NACIONAL / EQUIPAMENTO MILITAR / INTERESSE PÚBLICO / NULIDADE / PRINCÍPIO DA CONCORRÊNCIA / PROGRAMA RELATIVO À AQUISIÇÃO DE NAVIOS DESTINADOS À MARINHA PORTUGUESA / RECUSA DE VISTO / REGIME ESPECIAL / REGIME EXCECIONAL / SEGURANÇA NACIONAL.
SUMÁRIO
- O instrumento contratual aqui em apreço é qualificável, de forma consensual, como uma prestação de serviços estabelecida entre contraentes públicos, de índole interadministrativa, tendo por objeto a gestão do programa de aquisição de navios seis navios de patrulha oceânicos, da classe “Viana do Castelo”, destinados à Marinha Portuguesa, sendo indubitavelmente um contrato de prestação de serviços diretamente relacionado com esses equipamentos militares.
- Na verdade, neste mesmo contrato o Ministério da Defesa apresenta-se a contratar, numa prestação de serviços para gestão da aquisição de equipamentos militares, com uma empresa de capitais públicos que é do seu domínio.
- O regime jurídico da contratação pública nos setores da defesa e da segurança encontra-se atravessado de especificidades próprias que estão bem salientadas no percurso histórico legislativo neste domínio, tanto ao nível nacional como europeu (comunitário).
- Assim, ao nível do direito europeu, há que considerar a Diretiva 2009/81/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Julho de 2009, relativa à coordenação dos procedimentos de adjudicação de contratos pelas entidades ou entidades adjudicantes nos domínios da defesa e segurança, a qual teve como objetivo fundamental o estabelecimento de regras de contratação específicas para os setores de defesa e segurança no sentido de abrir o mercado de defesa na União Europeia (UE) sem colocar em risco os interesses legítimos de segurança dos seus Estados-Membros.
- Esta Diretiva aplica-se, em princípio, a todos os contratos de aquisição de equipamento militar, obras e serviços e a aquisições sensíveis com fins de segurança e que envolvam informações classificadas, sabendo, no entanto, que os Estados-Membros têm o direito, ao abrigo do Art.º 346.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), de isentar determinados contratos do campo de aplicação da mesma Diretiva quando tal seja estritamente necessário para proteger os seus interesses essenciais de segurança.
- Depois, ao nível nacional o cotejo do regime do Decreto-Lei n.º 104/2011 na sua conjugação com a Lei n.º 49/2009 de 5 de agosto, que rege o acesso ao comércio ou à industria de bens e serviços militares, por um lado, com o regime jurídico previsto no Código dos Contratos Públicos (CCP), pelo outro, permite divisar significativas diferenças no que concerne à margem de livre apreciação de que gozam, no setor da defesa, as entidades adjudicantes na prossecução do interesse público no seu equilíbrio com a garantia da liberdade de concorrência e os princípios do mercado.
- Ora, é precisamente esse regime legal específico que permite essa latitude de conformação ao interesse público da defesa e da segurança, tanto por via do acionamento do 2 mecanismo excecional do Art.º 346.º do TFUE como através dos meios previstos no Decreto-Lei n.º 104/2011, que justificará, na ótica do tribunal recorrido, que aqui se acolhe, a exclusão como tal, de forma isolada, no presente caso, da contratação in-house, sem que o mencionado mecanismo de exceção do Art.º 346.º do TFUE seja também acionado.
- Sendo neste enquadramento legal desenvolvido no texto da fundamentação deste acórdão, aqui sumariado, sem que tenha sido prevista (inicial ou subsequentemente), de forma expressa, a contratação in-house, que se percebe que não faz sentido invocar o mecanismo da especialidade ou da subsidiariedade, como faz a recorrente (com a menção a essa exceção ou contratação prevista no Art.º 5.º-A, n.ºs 1 e 5, do CCP), tanto numa articulação do sistema de normas aqui em jogo como também por via do apelo a uma composição entre os princípios de direito aqui convocáveis.
- Assim, não é a contratação in-house que se desenha aqui como o regime-regra e a liberdade de auto-regulação da administração pública, neste sector da segurança e defesa, tão naturalmente fechado à concorrência, não deixa de se poder concretizar com amplitude adequada, através dos meios específicos (Decreto-Lei n.º 104/2011) e até excecionais (Art.º 346.º, n.º 1, alínea b), do TFUE) que o legislador oferece neste mesmo domínio da atuação pública.
- Nesse sentido, as situações de exceção in-house, neste domínio da contratação pública na área da defesa e da segurança, são absorvidas do ponto de vista jurídico por aqueles meios específicos expressamente consagrados legislativamente (Decreto-Lei n.º 104/2011 e Art.º 346.º, n.º 1, alínea b), do TFUE), não fazendo sentido falar no funcionamento de um princípio de supletividade ou de especialidade com o regime geral da contratação pública.
- Por outro lado, a evidente componente remuneratória presente no contrato em análise retira, desde logo, este específico instrumento contratual, do domínio da contratação excluída, tal como consente a própria recorrente ao se referir ao inciso normativo final “e que não prevejam uma remuneração”, presente no n.º 2 do Art.º 5.º do CCP e no n.º 6 do Art.º 1.º da Diretiva 2014/24/UE sobre contratação pública por aquele transposta.
- Pelo que não se poderá concluir, como faz a recorrente, que a formação deste contrato não se encontrava submetida, à partida, ao regime especial de contratação previsto pelo Decreto-Lei n.º 104/2011.
- Ora, sabemos que, neste caso concreto, o Governo português não invocou, na sua Resolução do Conselho de Ministros n.º 72/2021, descrita no texto do acórdão aqui sumariado, de forma expressa ou com a invocação de qualquer justificação, o enquadramento do contrato objeto de fiscalização prévia na exceção prevista no Art.º 346.º do TFUE.
- Pode, assim, defender-se que a contratação in-house é um regime de exceção face a situações em que a contratação é feita dentro de casa, quando a Administração Pública não tem necessidade de recorrer ao mercado para suprir as suas necessidades. Essa avaliação terá que ser exigente de forma a não corromper o princípio da concorrência, pilar da contratação pública.
- Trata-se de uma derrogação excecional das regras de contratação pública gerais e não das regras especiais, derivadas, designadamente do mencionado Decreto-Lei n.º 104/2011, e, por isso, a sua interpretação deve ser restrita de forma a preservar o princípio da concorrência.
- Estamos a falar de um regime específico de contratação pública na defesa e segurança que concede uma grande amplitude e flexibilidade à entidade pública na escolha dos seus contratantes e também nos procedimentos de contratação aplicáveis (regime do Decreto-Lei n.º 104/2011 que transpôs a Diretiva 2009/81/CE) ou mesmo no afastamento total das especiais regras procedimentais e concorrenciais com a invocação do mecanismo excecional consagrado na alínea b), do n.º 1, do Art.º 346.º do TFUE.
- Mecanismo excecional, aliás, que a entidade recorrente não deixa de considerar que se encontraria aqui preenchido na situação em presença e que o Governo português não pretendeu utilizar expressamente.
- É neste contexto que se confirma o acerto na recusa de visto determinada pelo tribunal a quo que assentou na premissa de preterição do procedimento legalmente exigido, isto porque qualquer contratação direta estabelecida entre entidades públicas, neste específico sector, deve ser articulada obrigatoriamente através da invocação dos meios especiais excecionais aqui convocáveis e que inexistem na contratação pública em geral.
- Pelo que a invocação dessa exceção, no domínio da defesa e da segurança, desenquadrada dos meios específicos (Decreto-Lei n.º 104/2011) e até excecionais (Art.º 346.º, n.º 1, alínea b), do TFUE) que o legislador oferece neste mesmo domínio da atuação pública, não deixa de violar os procedimentos previstos no mesmo Decreto-Lei n.º 104/2011, sendo essa violação fulminada de nulidade, nos termos do disposto no Art.º 161.º, n.º 1, alínea l), do Código de Procedimento Administrativo, para que remete o n.º 2 do Art.º 284.º do CCP, aplicável ex vi do estabelecido no Art.º 65.º, n.º 1, do Decreto-Lei referenciado.
- O conceito de razões imperiosas de interesse geral de que fala o citado Art.º 60.º, n.º 3, da Diretiva 2009/81/CE, tem de ser equacionado com a situação em concreto e com os meios jurídicos e procedimentais que se encontram ou encontravam disponíveis à entidade pública em causa.
- E, na verdade, foi o Governo e a entidade fiscalizada que optaram pela integração do contrato em causa no regime-regra do Decreto-Lei n.º 104/2011, não tendo sido acionados os 4 mecanismos de salvaguarda do interesse público previstos neste setor da defesa e da segurança, tanto os procedimentos específicos do Decreto-Lei n.º 104/2011 como a cláusula excecional do Art.º 346.º, n.º 1, alínea b), do TFUE.
- O que faria todo o sentido caso se confirme a afirmação da própria recorrente que alega “que o contrato se traduz em questões sensíveis de segurança e defesa nacional centrais para a soberania do Estado Português”.
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