REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS
PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA
 

PARECER DA PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA N.º 14/2020
2021-01-28
Relator: Marta Cação Rodrigues Cavaleira

DESCRITORES

SETOR EMPRESARIAL DO ESTADO – EMPRESA PÚBLICA – INSTITUIÇÃO DE CRÉDITO – ENTIDADES SUPERVISIONADAS SIGNIFICATIVAS – ÓRGÃO DE ADMINISTRAÇÃO – ESTATUTO DO GESTOR PÚBLICO – CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS – RESPONSABILIDADE CIVIL DE MEMBROS DA ADMINISTRAÇÃO – RESPONSABILIDADE CIVIL PARA COM A SOCIEDADE – DIREITO À INDEMNIZAÇÃO – PRESCRIÇÃO – PRAZO DA PRESCRIÇÃO – CONTAGEM DO PRAZO DA PRESCRIÇÃO – SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO.

 

SUMÁRIO

  1. Aos titulares de órgãos de administração de empresas públicas, é aplicável o disposto no Estatuto do Gestor Público, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de março (artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 133/2013, de 3 de outubro, e n.º 1 do artigo 1.º do Estatuto do Gestor Público);
  2. O Estatuto do Gestor Público deixou de se aplicar a quem seja designado para órgão de administração de instituições de crédito integradas no sector empresarial do Estado e qualificadas como “entidades supervisionadas significativas”, na aceção do ponto 16) do artigo 2.º do Regulamento (UE) n.º 468/2014, do Banco Central Europeu, de 16 de abril de 2014, a partir da entrada em vigor da alteração ao artigo 1.º daquele Estatuto, operada pelo Decreto-Lei n.º 39/2016, de 28 de julho;
  3. Apesar desta exclusão do âmbito de aplicação do Estatuto do Gestor Público, por força do disposto em normas de sucessivas leis de aprovação de orçamentos do Estado, aos membros do órgão de administração das referidas instituições de crédito voltaram a ser, desde 1 de janeiro de 2017, aplicáveis as regras e deveres constantes dos artigos 18.º a 25.º, 36.º e 37.º do Estatuto do Gestor Público, regime este aplicável aos mandatos em curso;
  4. Os gestores públicos, incluindo os membros de órgão de administração de instituições de crédito integradas no sector empresarial do Estado e qualificadas como “entidades supervisionadas significativas”, na aceção do ponto 16) do artigo 2.º do Regulamento (UE) n.º 468/2014, do Banco Central Europeu, de 16 de abril de 2014, são penal, civil e financeiramente responsáveis pelos atos e omissões praticados durante a sua gestão, nos termos da lei (artigo 23.º do Estatuto do Gestor Público);
  5. Quanto à responsabilidade civil, tendo em conta que o regime jurídico das instituições de crédito e sociedades financeiras não contém regras sobre a responsabilidade civil dos seus administradores, a lei geral aplicável é, atenta a aplicação subsidiária do Código das Sociedades Comerciais (artigo 40.º do Estatuto do Gestor Público), o regime de responsabilidade civil dos membros da administração de sociedades comerciais, previsto nos artigos 71.º e seguintes daquele código;
  6. Nos termos do n.º 1 do artigo 72.º do Código das Sociedades Comerciais, quanto à administração da sociedade, os administradores respondem para com a sociedade pelos danos a esta causados por atos ou omissões praticados com preterição dos deveres legais ou contratuais, salvo se provarem que procederam sem culpa;
  7. Neste preceito legal encontramos os pressupostos exigidos, em geral, no âmbito da responsabilidade civil obrigacional: atuação dos administradores com inobservância de deveres funcionais, legais ou contratuais (facto humano voluntário ilícito); culpa/presunção de culpa (a imputação do facto ao agente); dano sofrido pela sociedade e nexo de causalidade entre a atuação do administrador e o dano sofrido;
  8. Como decorre do disposto no n.º 1 do artigo 174.º do Código das Sociedades Comerciais, o prazo de prescrição, nos casos de responsabilidade civil do administrador para com a sociedade, por verificação dos pressupostos enunciados no artigo 72.º do Código das Sociedades Comerciais, é de cinco anos. Só assim não será se o facto ilícito de que resulta a obrigação de indemnizar constituir crime, para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, caso em que será este o prazo de prescrição aplicável (n.º 5 do mesmo preceito legal);
  9. Quanto ao início da contagem do prazo de prescrição da obrigação de indemnizar a sociedade, estabelece a alínea b) do n.º 1 deste artigo 174.º, que o direito à indemnização prescreve no prazo de cinco anos a contar do termo da conduta dolosa ou culposa do administrador ou da sua revelação, se aquela houver sido ocultada, e da produção do dano, sem necessidade de que este se tenha integralmente verificado;
  10. Nestes termos, em regra, a determinação do início da contagem do prazo de prescrição, relativamente à obrigação de indemnizar a sociedade, faz-se por referência a elementos objetivos: o prazo de prescrição conta a partir do termo da conduta dolosa ou culposa do administrador e da produção do dano, desconsiderando-se o conhecimento que destes factos tenha a sociedade lesada;
  11. Ou seja, em regra, o início do prazo de prescrição depende apenas da verificação objetiva dos pressupostos da responsabilidade civil, enunciados no n.º 1 do artigo 72.º do Código das Sociedades Comerciais, com a particularidade de, em relação à conduta ilícita e culposa do administrador, se estabelecer como facto determinante do início da contagem do prazo de prescrição o termo dessa conduta;
  12. No entanto, caso a conduta ilícita e culposa do administrador tenha sido ocultada, aquele prazo só terá início com a revelação dessa conduta, e não, como em regra, na data em que se encontram verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil;
  13. Quando a alínea b) do n.º 1 do referido artigo 174.º estabelece que o direito à indemnização da sociedade prescreve a partir da «produção do dano, sem necessidade de que este se tenha integralmente verificado», determina não só que o prazo de prescrição só pode contar a partir da data em que se produziu o dano, porque só então é possível exigir do administrador o cumprimento da obrigação de indemnizar a sociedade, mas também que, uma vez produzido o dano, o prazo de prescrição corre, ainda que este não se tenha integralmente verificado;
  14. Assim sendo, não se estabelece apenas qual o facto determinante do início da contagem do prazo de prescrição. Determina-se, ainda, quais os danos cujo direito à reparação se deve considerar objeto dessa prescrição. Se, com a efetiva produção do dano, se inicia o prazo de prescrição, essa prescrição abrange não só os danos produzidos, que determinaram o início da prescrição, mas também a sua extensão ainda não integralmente verificada;
  15. O regime substantivo da obrigação de indemnizar e a sua expressão processual, com especial destaque para a atendibilidade, na fixação da indemnização, dos danos futuros previsíveis (primeira parte do n.º 2 do artigo 564.º do Código Civil) e para a possibilidade de formulação de um pedido genérico de indemnização, quando não seja, ainda, possível determinar, de modo definitivo, as consequências do facto ilícito (primeira parte do n.º1 da alínea b) do artigo 556.º do Código de Processo Civil), sustentam a conclusão de que, para além de ser irrelevante o desconhecimento da avaliação pecuniária dos danos, no objeto da prescrição do direito da sociedade à indemnização devemos incluir o agravamento futuro previsível do dano já produzido e os novos danos futuros cuja ocorrência seja prevista;
  16. O que significa que devem considerar-se objeto da prescrição, todos os danos a que o tribunal possa atender na fixação da indemnização, ainda que na dependência de um incidente de liquidação posterior, salvaguardando-se apenas a possibilidade de formular um novo pedido de indemnização, por força da contagem de um novo prazo de prescrição, em relação a novos danos a que, uma vez intentada uma ação, o juiz não poderia atender;
  17. Apesar de verificados os factos determinantes do início da contagem do prazo de prescrição, no caso, os especialmente previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 174.º do Código das Sociedades Comerciais, podem ocorrer determinados factos que condicionam o decurso do prazo de prescrição, determinando a sua suspensão ou interrupção, condicionamento este que pode mesmo impedir o início da contagem do prazo de prescrição;
  18. À prescrição do direito da sociedade à indemnização, fundado na responsabilidade civil dos seus administradores, por atuações no âmbito da administração da sociedade, aplica-se, subsidiariamente, a causa bilateral de suspensão da prescrição, prevista na alínea d) do artigo 318.º do Código Civil, que determina que a prescrição não começa ou, tendo começado, não corre, entre as pessoas coletivas e os respetivos administradores, relativamente à responsabilidade destes pelo exercício dos seus cargos, enquanto neles se mantiverem;
  19. Por isso, ainda que se tenha verificado o termo da conduta ilícita e culposa do administrador e a produção do dano, o prazo de prescrição do direito da sociedade à indemnização, fundado na responsabilidade civil dos seus administradores, por atuações no âmbito da administração, não inicia o seu curso, enquanto os administradores se mantiverem nos seus cargos.

 

LER MAIS TEXTO INTEGRAL