REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS
SECÇÃO REGIONAL DA MADEIRA
 

DECISÃO N.º 35/2022 – FP/SRMTC
2022-05-31
Processo n.º 14/2022 – SRMTC

Relator: Conselheiro Paulo Heliodoro Pereira Gouveia

DESCRITORES

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA REGIONAL / AQUISIÇÃO DE BENS / ACORDO-QUADRO / CRITÉRIO DE ADJUDICAÇÃO / CRITÉRIO DE DESEMPATE / RECUSA DE VISTO.
 

SUMÁRIO

  1. O acordo-quadro é um “contrato-quadro”, com efeitos normativos: enquadra jurídico-normativamente a celebração de contratos futuros. É um instrumento contratual administrativo importante no aprovisionamento da Administração Pública, poupando tempo à entidade adjudicante, que, a final, se limita a enviar os “call-off”; afinal, há uma obrigação de os cocontratantes celebrarem os contratos, se o acordo-quadro não for ilegal (cf., i.a., os artigos 255.º n.º 1 e 457.º al. b) do CCP).
  2. No prazo da vigência do acordo-quadro, a abertura à concorrência está licitamente reduzida ou excluída.
  3. O n.º 2 do artigo 257.º do CCP significa que, entre outros aspetos, (i) as prestações contratuais principais, (ii) o critério de adjudicação e (iii) qualquer regra da contratação pública a fazer ao abrigo do acordo-quadro que tenha fundamento no princípio geral da concorrência na prossecução do interesse público devem corresponder ao que se predeterminou no acordo-quadro.
  4. As questões relacionadas com o preço e o critério de adjudicação são obviamente parte nuclear do apelo à concorrência.
  5. O critério de adjudicação aqui criado para a consulta prévia não coincide com o consagrado na al. b) do n.º 1 do artigo 20.º do caderno de encargos do acordo-quadro que lhe serviu de base, que foi o da proposta economicamente mais vantajosa, tendo em conta os fatores que densificaram o critério da proposta economicamente mais vantajosa. E, além disso, os critérios de desempate não seguem o disposto no n.º 2 do mesmo artigo 20.º, porque não estão relacionados com as ponderações atribuídas aos fatores que densificaram o critério de adjudicação.
  6. Estas divergências constituem alterações substanciais face ao estabelecido no acordo-quadro, pois estamos perante a definição do critério (de adjudicação) que permitiria escolher a proposta vencedora; independentemente de só ter sido apresentada uma proposta.
  7. Pelo que não era irrelevante considerar uma modalidade (melhor relação preço e outros quatro fatores) ou outra (apenas o preço); o que significa que o resultado da adjudicação poderia ter sido diferente.
  8. Esta opção da Direção Regional do Património constituiu, portanto, uma violação do quadro jurídico regulador a que se tinha previamente autovinculado e, consequentemente, uma violação do disposto no artigo 257.º n.º 2 do CCP, de acordo com o qual “da celebração de contratos ao abrigo de acordos-quadro não podem resultar alterações substanciais das condições consagradas nestes últimos”.
  9. Ao agir como agiu, a DRP criou uma alteração substancial das regras fixadas pelo acordo-quadro, de onde decorre que o procedimento aquisitivo de consulta prévia lançado ao abrigo do n.º 1 do artigo 259.º do CCP não teve correta sustentação legal. Pelo que, com o critério de adjudicação assim densificado pelos fatores escolhidos pela entidade adjudicante, e estando em causa uma aquisição cujo preço base era de 817.000 euros, o procedimento para contratação pública legalmente devido era outro; no caso, um concurso público ou um concurso limitado por prévia qualificação com publicação de anúncio no Jornal Oficial da União Europeia, em obediência ao artigo 20.º n.º 1 al. a)¹ do CCP, conjugado com os n.os 1 e 2 do art.º 4.º do Decreto Legislativo Regional n.º 34/2008/M de 14 de agosto, que adapta à RAM o CCP.
  10. Ocorreu uma conduta procedimental ilegal e suscetível de alterar o resultado financeiro do contrato, o que é, nos termos da al. c) do n.º 3 do artigo 44.º da LOPTC, motivo de recusa de visto prévio ao referido contrato.
  11. Com a eleição de um procedimento assim limitado aos cocontratantes do acordo-quadro, ao invés de um outro aberto à concorrência nos termos das regras legais, foi preterido o procedimento legalmente exigido para a situação regulamentar objetivamente criada pela DRP, o que determina a nulidade daquele procedimento, por força do artigo 161.º n.º 2 al. l) do CPA, sendo consequentemente nulo o contrato dele derivado conforme comina o n.º 1 do artigo 283.º do CCP. E esta nulidade integra o fundamento legal previsto na al. a) do n.º 3 do suprarreferido artigo 44.º da LOPTC para recusa de visto ao contrato em questão.

¹ Que preceitua que “para a celebração de contratos de locação ou de aquisição de bens móveis e de aquisição de serviços, pode adotar-se” o “concurso público ou concurso limitado por prévia qualificação, com publicação de anúncio no Jornal Oficial da União Europeia, qualquer que seja o valor do contrato.”


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