REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS
RESPONSABILIDADES FINANCEIRAS
 

ACÓRDÃO N.º 17/2022 – 3ª S/PL
2022-06-02
Processo n.º 1/2022-RO

Relator: Conselheiro António Francisco Martins

DESCRITORES

CULPA / ERSE / IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO / INCONSTITUCIONALIDADE / INFRAÇÃO FINANCEIRA REINTEGRATÓRIA / INÍCIO DA PRESCRIÇÃO / LEGISLAÇÃO COVID19 / NEGLIGÊNCIA / PAGAMENTOS INDEVIDOS / QUESTÃO PREJUDICIAL / REAPRECIAÇÃO / REJEIÇÃO DO RECURSO / SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO / TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA.
 

SUMÁRIO

  1. Os períodos de suspensão do prazo de prescrição, previstos na legislação aprovada no âmbito da pandemia da Covid-19, são de considerar um acrescento aos períodos legalmente estabelecidos de suspensão de prazos, nas várias legislações que os preveem e, no caso das infrações financeiras, aos prazos a que alude o artigo 70.º da LOPTC.
  2. A aplicação de tal regime excecional e temporário de suspensão do prazo de prescrição a processos pendentes, relativos a factos cometidos antes do início da respetiva vigência, não é inconstitucional, pois não exprime qualquer excesso, arbítrio ou abuso por parte do Estado contra o qual faça sentido invocar as garantias inerentes à proibição da retroatividade in pejus.
  3. Na responsabilidade financeira reintegratória, por pagamentos indevidos, a infração consuma-se quando ocorre o ato que gera a responsabilidade, ou seja, quando é processado o pagamento ilegal ou indevido, que causa dano ao erário público, pelo que o prazo de prescrição corre a partir de cada um dos diversos atos de pagamentos indevidos.
  4. Não é de formular ao Tribunal de Justiça da União Europeia um pedido de decisão prejudicial sobre a compatibilidade do direito nacional com o direito da União Europeia, quando não se considera necessária ao julgamento da causa a interpretação em causa.
  5. A decisão sobre a matéria de facto pode ser alterada em via de recurso, mas a reapreciação de tal decisão, em face dos fundamentos invocados pelo recorrente, não importa a realização de um segundo julgamento por parte do tribunal ad quem.
  6. Não tendo os recorrentes dado cumprimento ao ónus previsto nas alíneas b) do n.º 1 e a) do n.º 2, ambos do artigo 640.º do CPC, ou seja, não indicando “com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso”, nomeadamente para se poder aferir da alegada “falta de isenção” e “contradição”, é de rejeitar o recurso, nesta dimensão de impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
  7. O conceito de “regime retributivo”, previsto no n.º 3 do artigo 54.º dos Estatutos da ERSE, aprovados pelo artigo 2.º do DL 97/2002, engloba todas as despesas com pessoal que, sendo atribuídas com constância e regularidade, têm reflexos na gestão financeira daquela entidade.
  8. Integrando assim o “regime retributivo” os “complementos remuneratórios”, “benefícios” e “regalias” pagos ao pessoal da ERSE, sem terem sido objeto de homologação governamental, constituem os mesmos pagamentos indevidos, por serem ilegais e terem causado dano ao erário público.
  9. Tal norma, ao prever a “homologação” ministerial” do “regime retributivo do pessoal da ERSE”, não enferma de qualquer inconstitucionalidade, máxime perante a previsão constitucional do artigo 267.º, que integra as entidades reguladoras na estrutura da Administração Pública, ainda que com estatuto de “entidade administrativa independente”.
  10. Cumprindo aos demandados, na qualidade de membros do Conselho de Administração, aferir da legalidade dos suplementos remuneratórios, benefícios e regalias do pessoal da ERSE e não tendo procedido a tal, quanto autorizaram o pagamento dos que estão em causa nos autos, é de concluir que não se pautaram pelo padrão exigível dum responsável financeiro diligente e prudente, na afetação dos dinheiros públicos que lhes competia gerir.

 

TRANSFERIR TEXTO INTEGRAL