REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS
RESPONSABILIDADES FINANCEIRAS
 

ACÓRDÃO N.º 2/2022 – 3ª S/PL
2022-01-12
Recurso Extraordinário de Revisão n.º 1/2021
Processo n.º 5/2017-JRF


Relator: Conselheiro Paulo Dá Mesquita

DESCRITORES

APLICAÇÃO DA LEI MAIS FAVORÁVEL / CONVOLAÇÃO DO RECURSO / DIREITO PENAL / DOCUMENTO / MEIO DE PROVA / NORMA INTERPRETATIVA / PROCESSO CIVIL / PROCESSO PENAL / RECURSO DE REVISÃO / RECURSO EXTRAORDINÁRIO / REJEIÇÃO DE RECURSO / PROCESSO DE EFETIVAÇÃO DE RESPONSABILIDADE FINANCEIRA / RETROATIVIDADE / REVISÃO DE ACÓRDÃO.
 

SUMÁRIO

  1. O recurso de revisão de sentença ou acórdão transitado em julgado no âmbito de processo de efetivação de responsabilidades financeiras constitui uma categoria de recurso extraordinário prevista nos artigos 76.º, n.º 1, al. d), e 101.º, n.º 4, da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas (LOPTC) a que, por força do último preceito indicado, se aplica, com as necessárias adaptações, o regime dos artigos 696.º a 702.º do Código de Processo Civil (CPC).
  2. No procedimento específico do recurso de revisão existe uma primeira fase de julgamento dos pressupostos de admissão do concreto meio extraordinário de impugnação de uma decisão transitada, o qual opera de forma independente do juízo sobre a procedência da específica pretensão jurídico-prática do(s) recorrente(s), devendo o tribunal indeferir liminarmente o requerimento «quando reconheça de imediato que não há motivo para revisão» (artigo 699.º, n.º 1, do CPC).
  3. O conceito de «documento» empregue na alínea c) do artigo 696.º do CPC é enquadrado pelo direito probatório material à luz do conceito constante do artigo 362.º do Código Civil (CC), enquanto relativo a um meio de prova constituído por «qualquer objeto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto» e não compreende o conteúdo de um ato normativo o qual não constitui a corporização de uma declaração de verdade ou ciência mas uma intervenção prescritiva na ordem jurídica que expressa um ato de vontade de um órgão estadual (no caso o Governo) posterior à produção do ato jurisdicional cuja revisão se pretende.
  4. O artigo 13.º, n.º 1, do CC estabelece que a eficácia retroativa das normas interpretativas não atinge «os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transação, ainda que não homologada, ou por atos de análoga natureza».
  5. O artigo 101.º, n.º 4, da LOPTC determina que ao recurso de revisão de sentenças e acórdãos de processos de efetivação de responsabilidades financeiras se aplica o regime do Código de Processo Civil, não se aplicando as normas processuais penais.
  6. No Direito Penal substantivo e adjetivo, inclusive ao nível constitucional, autonomizam-se:
    1. Por um lado, a aplicação retroativa de leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido (parte final do n.º 4 do artigo 29.º da Constituição);
    2. Por outro, o direito de os cidadãos injustamente condenados à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos nas condições que a lei prescrever (n.º 6 artigo 29.º da Constituição).
  7. O que se repercute em distinções estruturais de mecanismos processuais:
    1. Para a aplicação retroativa de lei penal mais favorável a casos julgados existe um procedimento em que o tribunal se limita a verificar que o facto já não constitui crime, sem qualquer reapreciação do mesmo.
    2. No recurso de revisão existe um mecanismo complexo, de índole constitutiva, em que admitido o recurso abre-se um processo de reapreciação da eventual injustiça (originária) da condenação.
  8. Isto é, o direito à revisão da sentença penal condenatória injusta pressupõe um erro judicial e, em consequência, uma injustiça contemporânea da decisão pelo que enquanto meio processual excecional não pode ser promovido para alteração de decisão transitada com o fundamento numa modificação legal superveniente.
  9. A norma do artigo 699.º, n.º 1, do CPC impõe que o requerimento de recurso de revisão interposto perante o tribunal de 2.ª instância que proferiu a última decisão seja indeferido quando se reconheça de imediato que não há motivo para revisão não sendo admissível a convolação em requerimento para incidente ao abrigo do artigo 371.º-A do Código de Processo Penal perante o tribunal de 1.ª instância.

 

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