REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS
RESPONSABILIDADES FINANCEIRAS
 

SENTENÇA N.º 4/2022 – 3ª S
2022-04-05
Processo n.º 17/2019-JRF

Relator: Conselheiro Paulo Dá Mesquita

DESCRITORES

DESPESA DE REPRESENTAÇÃO / ESTATUTO DOS ELEITOS LOCAIS / NEGLIGÊNCIA / PAGAMENTOS INDEVIDO / PRÉ-REFORMA / REMUNERAÇÃO A MEIO TEMPO / REMUNERAÇÃO A TEMPO INTEIRO / RESPONSABILIDADE FINANCEIRA REINTEGRATÓRIA.
 

SUMÁRIO

  1. A alegação jurídica do MP sobre a infração financeira reintegratória imputada é sustentada nas seguintes ideias: por exercer o seu mandato em regime de meio tempo, o Demandado Originário não tinha direito à perceção de despesas de representação, conforme resulta das disposições conjugadas dos artigos 8.º e 5.º, n.º 2, do Estatuto dos Eleitos Locais (ELE) aprovado pela Lei n.º 29/87, de 30 de junho, na redação vigente à data dos factos, pelo que a autarquia, por ação do Demandado Originário, pagou um montante global a título de despesas de representação em colisão com as normas que regulavam o estatuto formal assumido pelo Demandado Originário (autarca a meio tempo), em particular a alínea a) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 5.º do EEL o que o fazia incorrer em responsabilidade reintegratória por pagamentos indevidos em face do disposto no n.º 4 do artigo 59.º da LOPTC.
  2. Tendo presente o estatuto formal assumido pelo Demandado Originário, enquanto autarca a meio tempo, processar despesas de representação era ilegal e nessa medida aquele violou os deveres objetivos de cuidado que sobre ele recaíam de cumprimento rigoroso da lei.
  3. No quadro da responsabilidade financeira reintegratória, o grau de culpa também deve ser valorado atento, nomeadamente, o disposto no artigo 64.º, n.º 1, da LOPTC, existindo no caso sub judice, fatores que importa ponderar: as competências do cargo; o volume e fundos movimentados; o montante material da lesão dos dinheiros, os valores públicos cuja defesa incumbia ao Demandado Originário e, tendo presente a realidade factual, saber se os erros formais se repercutiram num efetivo prejuízo (em face da verdade material apurada que está para além do formalismo relativo ao estatuto assumido) e em que medida para a entidade pública.
  4. Sede em que se apresenta determinante o enquadramento jurídico da situação real verificada, em particular, a circunstância de no caso concreto o Demandado Originário ter atuado na prática como autarca a tempo inteiro apenas não assumindo formalmente esse estatuto pela convicção que tinha formado (a partir de informação que lhe fora prestada por terceiros) no sentido de que se assim fosse teria de optar entre a respetiva remuneração ou a prestação de pré-reformado da EDP.
  5. A pré-reforma antecipada derivava de acordo entre o Demandado Originário e a EDP enquanto sua entidade empregadora do qual decorria para a entidade patronal o dever de pagar uma prestação mensal até ao momento em que o Demandado Originário iniciasse a situação de reforma.
  6. Nos anos de 2009 e 2010 estava em vigor a redação originária do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 52 -A/2005, pelo que o limite previsto no n.º 1 do preceito não se aplicava «às prestações de natureza privada» a que tivessem «direito os respetivos titulares», salvo se tais prestações tivessem «resultado de contribuições ou descontos obrigatórios» e nessa altura a EDP era uma empresa maioritariamente privada, pelo que, ao invés do que tinha sido transmitido ao Demandado Originário e do que se afirmou em algumas análises sobre o caso concreto em sede de auditoria e no presente julgamento, caso o Demandado Originário tivesse optado pelo exercício do mandato em tempo inteiro poderia ter cumulado a prestação auferida pela EDP (a qual não resultava de contribuições ou descontos obrigatórios antes era suportada pela EDP) com a remuneração de autarca a tempo inteiro.
  7. Pelo que, a situação de equívoco do Demandado Originário sobre o regime legal e que abrangeu a questão da possibilidade de o autarca a meio tempo receber despesas de representação acabou por ser prejudicial para o autarca, pois em vez de 50% da remuneração poderia ter direito a 100% da remuneração mais despesas de representação e esse equívoco acabou por beneficiar o orçamento do município que não teve de assumir o pagamento de uma remuneração integral.

 

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