REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS
RESPONSABILIDADES FINANCEIRAS
 

SENTENÇA N.º 3/2022 – 3ª S
2022-03-10
Processo nº 6/2021-JRF

Relator: Conselheiro Paulo Dá Mesquita

DESCRITORES

AUTARQUIA LOCAL / CONTRATAÇÃO PÚBLICA / DISPENSA DE MULTA / ESTATUTO REMUNERATÓRIO MAIS FAVORÁVEL / FUNDAÇÃO PÚBLICA DE DIREITO PRIVADO / MOBILIDADE / PAGAMENTOS INDEVIDO / PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DE FUNÇÕES / RECRUTAMENTO DE TRABALHADORES / REGIME DE VINCULAÇÃO, DE CARREIRAS E DE REMUNERAÇÕES DOS TRABALHADORES QUE EXERCEM FUNÇÕES PÚBLICAS / RESPONSABILIDADE FINANCEIRA REINTEGRATÓRIA.
 

SUMÁRIO

  1. À data dos factos, a Lei-Quadro das Fundações (LQF) aprovada pela Lei n.º 24/2012, de 9 de julho, não sujeitava o recrutamento de trabalhadores por fundação pública de direito privado ao regime de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas (RVCRTFP) estabelecido pela Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, impondo apenas que no processo de recrutamento fossem respeitados os princípios constitucionais da publicidade, concorrência e igualdade (artigo 48º, alínea e), da LQF).
  2. A alegação do Demandante não compreendeu factos suscetíveis de configurarem um plano que compreendesse uma simulação na contratação pela fundação pública de direito privado dirigida à transição do trabalhador dessa entidade para autarquia local ao abrigo de um estatuto remuneratório mais favorável do que o que lhe seria devido por via de ingresso direto nessa autarquia local, pelo que os procedimentos empregues não podiam ser perspetivados como uma simulação suscetível de ser enquadrada no artigo 240.º do Código Civil.
  3. A dispensa do período experimental e seu reflexo na mobilidade do trabalhador apresentou-se conforme o princípio da continuidade de funções, então estabelecido no artigo 84.º do RVCRTFP.
  4. A responsabilidade reintegratória imputada ao Demandado (ao abrigo do artigo 59.º, n.os 1 e 4, da LOPTC) estava dependente do pressuposto substantivo de se ter verificado um ato ilícito violador da lei no que concerne ao valor da remuneração do trabalhador na autarquia que teria sido causa de pagamentos indevidos, pelo que, sendo a remuneração auferida pelo trabalhador resultado de uma sequência de atos lícitos, falece o pressuposto jurídico da alegação do Demandante.
  5. A infração sancionatória reportada à violação de normas mencionadas em duas alíneas, b) e l), do n.º 1 do artigo 65.º da LOPTC no caso sub judice deve ser configurada como tendo dimensão unitária, em face da ausência de discriminação de processos resolutivos do imputado sendo o seu preenchimento autónomo de qualquer resultado financeiro danoso para a entidade que, aliás, não foi alegado nem provado, pois a ilegalidade reporta-se a um serviço necessário que foi efetivamente prestado e o valor do contrato correspondeu aos usos e costumes para esse tipo de serviço, pelo que teria sempre de ser processado o seu pagamento.
  6. Era exigível em termos gerais ao Demandado a tomada de precauções suficientes na contratação para assegurar o respeito de princípios e regras legais da contratação pública, mas reportando-se o procedimento censurado, apenas, a défice de atenção na ultrapassagem ligeira do limiar de um valor por via da sucessão de contratos similares no quadro de uma entidade com reduzidos recursos humanos, tendo o Demandado agido com «culpa diminuta» e não havendo lugar a qualquer reposição deve ser dispensada de multa ao abrigo do n.º 8 do artigo 65.º da LOPTC.

 

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