REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS
RESPONSABILIDADES FINANCEIRAS
 

SENTENÇA N.º 24/2021 – 3ª S
2021-10-29
Processo nº 4/2020-JRF

Relator: Conselheiro Paulo Dá Mesquita

DESCRITORES

ALTERAÇÃO DE POSICIONAMENTO REMUNERATÓRIO / AUXÍLIO FINANCEIRO / CARGO DIRIGENTE / CONTROLO DA DESPESA PÚBLICA / ENTIDADE PÚBLICA EMPRESARIAL / FRAUDE À LEI / NOMEAÇÃO / PROGRESSÃO / PROMOÇÃO / RESPONSABILIDADE FINANCEIRA / VALORIZAÇÃO REMUNERATÓRIA.
 

SUMÁRIO

  1. Nos processos jurisdicionais de efetivação de responsabilidades financeira, delimitado o objeto pelo pedido e alegação da matéria factual essencial para a sustentação daquele, em matéria de Direito o tribunal aprecia, independentemente das alegações das partes, as questões jurídicas essenciais à luz do que entende ser imposto pela metodologia, princípios e normas jurídicas relevantes.
  2. As proibições de valorizações remuneratórias estatuídas nas leis dos orçamentos de Estado de 2013 a 2016 foram orientadas por um objetivo de controlo da despesa pública e conformadas pelo programa de auxílio financeiro a Portugal estabelecido no «Memorando de Entendimento Sobre as Condicionalidades de Política Económica», assumido durante a XI Legislatura, que vieram ser sobretudo executadas no âmbito da XII Legislatura, iniciada em 20 de junho de 2011.
  3. A previsão da norma do artigo 38.º, n.º 1, da Lei n.º 82-A/2014 tinha como objeto atos que consubstanciem valorizações remuneratórias, mas apenas abrangia atos relativos a certos tipos de mudanças refletidas em posições subjetivas, em particular, estritas alterações de posicionamento remuneratório, progressões, promoções, nomeações ou graduações em categoria ou postos superiores aos detidos, incluindo ascensões no quadro de concursos para categorias superiores de determinada carreira.
  4. A nomeação para cargos dirigentes em comissão de serviço por tempo determinado, na medida que não fosse geradora de quaisquer direitos adquiridos para além do exercício do cargo e se apresentasse desligada de uma evolução da carreira ou de melhoria remuneratória de um determinado posto ou cargo não integrava a previsão da norma do n.º 1 do artigo 38.º da Lei n.º 82-A/2014 e, consequentemente, não era abrangida pela respetiva estatuição.
  5. A atribuição de nível a cargo dirigente de entidade pública empresarial constitui uma definição da categoria do cargo sustentada num juízo sobre a respetiva «complexidade e responsabilidade» que não pode integrar uma ponderação sobre a pessoa do titular nomeado.
  6. A previsão da norma do n.º 1 do artigo 38.º da Lei n.º 82-A/2014 podia abranger atos do Conselho de Administração da CP relativos a cargos dirigentes e, consequentemente, decisões sobre essas matérias poderiam colidir com a imperatividade da proibição de atos de valorização remuneratória e violar a estatuição legal que determina que a norma orçamental prevalece sobre quaisquer outras normas legais ou convencionais, especiais ou excecionais, em contrário.
  7. A interpretação sistemático-teleológica da norma do artigo 38.º, n.º 1, da Lei n.º 82-A/2014 impunha, ainda, a proibição de atos suscetíveis de enquadramento na figura da fraude à lei no Direito Civil, isto é, o encadeamento de um conjunto de atos que isoladamente se poderiam apresentar como lícitos, mas globalmente constituem um meio para prosseguir um resultado final global ilícito, no caso colidentes com a proibição em análise pelo facto de serem equivalentes a atos de valorização remuneratória de cargos dirigentes da CP.
  8. No caso sub judice, verificou-se uma situação oposta a uma fraude à norma orçamental de proibição de valorizações remuneratórias, já que a redefinição dos níveis de cargos dirigentes constituiu a última etapa de processo de reforma orgânica (desenvolvido entre 2013 e 2016) com extinção e criação de novos cargos sendo gerador de uma redução substancial da despesa global com a remuneração dos cargos dirigentes, resultado coerente com o programa legislativo de controlo da despesa pública e a teleologia da proibição de valorizações remuneratórias.

 

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