DESCRITORES
CONTRAPRESTAÇÃO / CULPA / DANO / ERRO SOBRE A ILICITUDE / ESTAÇÃO COMPETENTE / NEGLIGÊNCIA / PAGAMENTO INDEVIDO / RESPONSABILIDADE FINANCEIRA / RESPONSABILIDADE FINANCEIRA REITEGRATÓRIA / RESPONSABILIDADE FINANCEIRA SANCIONATÓRIA / RESPONSÁVEL FINANCEIRO
SUMÁRIO
- Num conceito amplo de responsabilidades financeiras, estas são aquelas que resultam da prática de infrações financeiras por quem gere e utiliza dinheiros públicos. Trata-se de responsabilidades pessoais reguladas por normas de Direito público, que têm como pressupostos (i) um comportamento em matéria administrativa e ou financeira, (ii) descrito na lei, (iii) ilícito e (iv) censurável.
- Pressupõem sempre um juízo de culpabilidade, i.e., de censura jurídica, com referência a comportamentos relativos (i) à legalidade e regularidade das operações financeiras públicas, (ii) à fiabilidade das contas e demais demonstrações financeiras ou (iii) à observância das regras contabilísticas.
- Para o conceito de negligência (em responsabilidade sancionatória) que resulta do art. 15º do C.P., ex vi art. 67º nº 4 da LOPTC, devemos sublinhar que o facto negligente possui um tipo de ilícito (a violação do dever objetivo de cuidado a que, em concreto, o agente está obrigado) e um tipo de culpa (a inobservância do cuidado que o agente está em condições de observar).
- O citado tipo de ilícito negligente é constituído (i) pelo desvalor da ação e, por vezes, (ii) pelo desvalor do resultado, devendo este resultado ser previsível e evitável para a pessoa prudente, dotada das capacidades que detém a pessoa média pertencente à categoria intelectual e social e ao círculo de vida do agente responsável financeiro.
- A apreciação da culpa (a censurabilidade, o juízo de censura referido à atitude interna do agente financeiro autor do comportamento financeiro ilícito) em concreto, na responsabilidade financeira sancionatória, deve ter em conta as especificidades das funções em concreto desempenhadas pelos sujeitos que a ela estão obrigados, ou seja, tendo em conta o padrão de um responsável financeiro (i) diligente e (ii) prudente na gestão e afetação dos dinheiros públicos que lhe compete zelar e gerir.
- O padrão de diligência exigível do gestor de dinheiros públicos é o dos deveres do cargo concreto; pelo menos, uma diligência de um responsável financeiro (i) mediano na informação, (ii) mediano no critério, (iii) mediano na prudência, (iv) medianamente avisado e cauteloso.
- Os pressupostos da responsabilidade financeira reintegratória, consabidamente como nos arts. 483º, 562º e 563º do C.C., são: (1º) dano ou prejuízo (aferido a partir da ilicitude objetiva, é a supressão ou diminuição de uma qualquer vantagem ou situação favorável protegida pelo Direito); (2º) comportamento humano ativo ou omissivo controlável ou controlado por uma vontade imputável; (3º) ilicitude da ação ou omissão ou juízo de desvalor sobre aquele facto humano (por lesão de um direito subjetivo alheio ou por violação de disposições legais cujo objetivo seja precisamente proteger os interesses alheios lesados), sem que haja causa de justificação para essa violação; (4º) censurabilidade do agente ou juízo de culpa (juízo de censura formulado pelo Direito relativamente à conduta ilícita do agente do facto danoso, com referência a dolo ou a negligência do agente; o Tribunal de Contas avalia o grau de culpa de harmonia com as circunstâncias do caso, tendo em consideração as competências do cargo ou a índole das principais funções de cada responsável, o volume e fundos movimentados, o montante material da lesão dos dinheiros ou valores públicos, o grau de acatamento de eventuais recomendações do Tribunal e os meios humanos e materiais existentes no serviço, organismo ou entidade sujeitos à sua jurisdição - art. 64º nº 1 da LOPTC); e (5º) nexo de causalidade adequada entre o comportamento e o dano (o nexo de causalidade adequada entre facto voluntário e dano resulta essencialmente de o facto ir contra o escopo da norma jurídica violada, sem prejuízo de, logicamente, o facto ter de ser uma condição adequada – em termos de normalidade social – para o dano, condição essa que é, no caso da responsabilidade culposa, provocada pelo agente com certo fim). Dá origem à obrigação de repor dinheiros públicos (cf. os arts. 59º nº 1 e 60º da LOPTC).
- “Estação competente” será hoje um indivíduo ou um serviço que possa e deva efetivamente esclarecer o decisor.
- O erro direto sobre a ilicitude a que se refere o art. 17º do C.P. só excluirá a culpabilidade se, sempre com base nos factos provados, tal erro do agente não lhe for censurável; a falta de consciência da ilicitude do facto excluirá a culpa se tal ignorância do agente não for censurável.
- E tal erro ou falta de consciência da ilicitude só não será censurável quando o “erro da consciência ético-jurídica que se exprime no facto” (i) não se fundamentar numa atitude interna desvaliosa face aos valores jurídicos em geral e (ii) houver ali uma consciência reta do agente orientada por uma atitude geral de fidelidade ao Direito; o que ocorrerá em situações em que (i) a questão da ilicitude concreta for discutível e (ii) o erro do agente resulte de o agente ter tomado em conta outros pontos de vista relevantes.
- No caso presente, o erro fundamentou-se numa atitude interna desvaliosa, em concreto, face aos bens jurídicos em causa e tendo presentes a educação superior e a experiência política autárquica do agente.
- Só há pagamento indevido para o efeito de reposição, ou melhor, só há dano na responsabilidade financeira reintegratória, (i) se não houver contraprestação efetiva ou (ii) se esta não foi adequada ou proporcional à prossecução das atribuições da entidade em causa ou aos usos normais de determinada atividade.
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