SECÇÃO REGIONAL DOS AÇORES
PARECER SOBRE A CONTA DA REGIÃO AUTÓNOMA DOS AÇORES 2020 Relator: Conselheiro José Araújo Barros |
DESCRITORES ANO 2020 / CONTA DA REGIÃO AUTÓNOMA / AÇORES.REGIÃO AUTÓNOMA / PARECER / TRIBUNAL DE CONTAS SUMÁRIO Compete ao Tribunal de Contas, através da Secção Regional dos Açores, emitir parecer sobre a Conta da Região Autónoma dos Açores, cabendo-lhe apreciar a atividade financeira da Região nos domínios da receita, da despesa, da tesouraria, do recurso ao crédito público e do património. O Relatório e Parecer visa emitir um juízo sobre a legalidade e a correção financeira das operações examinadas, podendo pronunciar-se sobre a economia, a eficiência e a eficácia da gestão e, bem assim, sobre a fiabilidade dos respetivos sistemas de controlo interno. Processo orçamental e de prestação de contas A elaboração do Orçamento da Região Autónoma dos Açores para 2020 foi sustentada num quadro plurianual de programação orçamental não totalmente consentâneo com a Lei das Finanças das Regiões Autónomas. A proposta de Orçamento foi apresentada pelo Governo à Assembleia Legislativa dentro do prazo legal e, de um modo geral, observou as disposições legais aplicáveis, quanto ao conteúdo do articulado e à estrutura dos mapas orçamentais. O Orçamento integra, pela primeira vez, um mapa com despesas correspondentes a programas. À semelhança do verificado em anos anteriores, o regulamento que põe em execução o Orçamento prevê a existência de um período complementar da execução orçamental, pondo em causa o princípio da anualidade. A Conta de 2020 foi tempestivamente remetida ao Tribunal de Contas e compreende o relatório e os mapas legalmente exigidos. Execução orçamental As demonstrações orçamentais, previsional e consolidada, apresentam melhorias em relação a 2019, mas ainda requerem aperfeiçoamentos para que possam transmitir de forma verdadeira e apropriada a execução orçamental do setor público administrativo regional e, simultaneamente, permitir a avaliação dos resultados obtidos face aos objetivos inicialmente estabelecidos. A existência de um número significativo de organismos que ainda não procederam à transição para o SNC-AP e a integração de informação contabilística reportada a diferentes períodos temporais prejudicam a homogeneização da conta consolidada. Não foi garantida a regularidade de algumas operações orçamentais. A Conta não quantifica os meios financeiros dirigidos à reconstrução e recuperação dos estragos provocados pelo furacão Lorenzo e à mitigação dos efeitos provocados pela pandemia da COVID-19, nem avalia o seu impacto direto e imediato na execução orçamental. A quantificação rigorosa dos impactos orçamentais contribuiria para a melhoria da transparência das contas públicas, para a definição de medidas adequadas e para o acesso aos recursos financeiros disponibilizados pelo Estado e pela União Europeia. A regra de equilíbrio orçamental prevista na Lei de Enquadramento do Orçamento da Região Autónoma dos Açores não foi cumprida, registando-se um agravamento muito significativo. O saldo global ou efetivo agravou-se em 163,2 milhões de euros, atingindo -246,1 milhões de euros, resultado determinado pela evolução desfavorável de ambos os agregados orçamentais – a receita registou uma queda de 90,4 milhões de euros e a despesa aumentou 72,9 milhões de euros. O reduzido grau de autonomia do setor público administrativo regional agravou-se em relação a 2019, refletindo uma maior dependência dos recursos financeiros provenientes de transferências e passivos financeiros para se financiar. O número de entidades com um grau de dependência quase total das verbas provenientes do Orçamento regional e do recurso ao endividamento para o desempenho das suas atividades é bastante significativo, existindo ainda serviços e fundos autónomos que não cumprem o requisito financeiro legalmente estabelecido para manterem o regime de autonomia administrativa e financeira. A receita total do setor público administrativo regional foi de 1 840,9 milhões de euros e a receita efetiva de 1 107,1 milhões de euros, enquanto a despesa total se cifrou em 1 733,5 milhões de euros e a despesa efetiva em 1 353,2 milhões de euros. Tesouraria A Conta de 2020 continua a não apresentar informação completa e sistematizada no domínio da tesouraria. O modelo organizativo e funcional da área de tesouraria não apresentou progressos em 2020, mantendo-se a ausência de prestação de contas das tesourarias da Administração Regional direta e da Região, neste último caso como conta única dos fluxos financeiros realizados pelo setor público administrativo regional, continuando por cumprir o disposto no artigo 51.º da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas. As entidades do setor público administrativo da Região Autónoma dos Açores continuaram a movimentar fundos com inobservância do princípio da unidade de tesouraria. Com referência a 31-12-2020, apurou-se um saldo de 3,1 milhões de euros referente a operações de dívida flutuante contraídas por diversas entidades públicas reclassificadas, que, por não ter sido amortizada no exercício, se converteu em dívida pública fundada. Fluxos financeiros com a União Europeia Através do procedimento de confirmação externa apurou-se que o recebimento de fundos comunitários afetos ao setor público administrativo regional totalizou 53,6 milhões de euros, mais 1,4 milhões de euros do que o registado no relatório da Conta de 2020. Nas contas bancárias específicas de fundos comunitários, foram movimentados 102,2 milhões de euros a crédito e 106,3 milhões de euros a débito. O saldo final destas contas bancárias, no montante total de 16 milhões de euros, não se encontrava registado nos mapas da Administração Regional direta que constam do volume II da Conta, provocando distorções materialmente relevantes no total da receita e da despesa da Região, bem como no valor do saldo global da Conta. Fluxos financeiros no âmbito do setor público Foram transferidos 162,1 milhões de euros para entidades públicas não incluídas no perímetro orçamental. Dessas entidades foi recebido um total de 341,2 milhões de euros. No âmbito da despesa, 92,2% das verbas transferidas destinaram-se a sociedades não financeiras públicas. Ao nível da receita, 96,6% das verbas foram provenientes da Administração Central, incluindo as transferências para a Administração Local (120,3 milhões de euros), escrituradas na Conta em operações extraorçamentais. Subvenções Os apoios ao setor privado, onde se incluem as famílias, as empresas privadas e as instituições sem fins lucrativos privadas, totalizaram 151,7 milhões de euros. As despesas foram integralmente financiadas pelo Plano Anual Regional, sendo 62,1 milhões de euros (41%) classificados na área do emprego e competitividade, 27,4 milhões de euros (18%) na área da solidariedade social e habitação e 24,8 milhões de euros (16%) na área da agricultura e florestas. Os apoios reembolsáveis, concedidos na sua maioria a empresas privadas, perfizeram 533,6 mil euros (0,4% do total das subvenções). No final de 2020, o total de créditos resultante de apoios reembolsáveis totalizava 13,5 milhões de euros e, destes, 5,1 milhões de euros não foram reembolsados na data prevista. Dívida e outras responsabilidades À semelhança do verificado em anos anteriores, a informação divulgada na Conta sobre a dívida total do setor público administrativo regional é incompleta, posto que, em relação à dívida não financeira, se limita a divulgar a dívida comercial já vencida, omitindo as restantes obrigações que integram o passivo exigível, as quais, de acordo com a definição que decorre do n.º 5 do artigo 40.º da Lei das Finanças das Regiões Autónomas, incorporam a dívida não financeira. Consequentemente, a Conta omite dívida desta natureza no montante de, pelo menos, 115,4 milhões de euros, a que acresce uma verba de 4,3 milhões de euros, relativa às responsabilidades emergentes dos contratos-programa celebrados com a Diocese de Angra, informação que, apesar de constar na Conta, não foi considerada para o efeito. Com base no valor da dívida não financeira apurada, mas salvaguardando os eventuais ajustamentos adicionais que viessem a revelar-se necessários caso não existissem limitações de informação, em 2020, a dívida total do setor público administrativo regional registou um aumento muito significativo, tendo-se agravado em, pelo menos, 369 milhões de euros (+17,4%), para 2 489,5 milhões de euros – dos quais, 2 215,4 milhões de euros correspondem a dívida financeira –, comportamento influenciado pelo impacto da pandemia da COVID-19 nas finanças públicas regionais. A intensificação do recurso ao crédito traduziu-se no significativo acréscimo das necessidades de financiamento para a amortização do stock da dívida pública regional nos próximos anos, 75,2% da qual, totalizando 1 666,1 milhões de euros, atinge a maturidade até 2027. Por conseguinte, a dívida pública regional passou a exibir um perfil de reembolso mais concentrado, aspeto suscetível de condicionar o princípio da equidade intergeracional no plano da incidência orçamental dos respetivos encargos e de agravar os riscos de refinanciamento e dos custos da dívida, que se mantêm temporariamente reduzidos devido à política de estímulos monetários prosseguida pelo Banco Central Europeu. O eclodir da crise sanitária e posteriores desenvolvimentos acentuaram a pressão sobre as condições de sustentabilidade da dívida pública regional, que já vinham a deteriorar-se em resultado da posição estruturalmente deficitária evidenciada pelas finanças públicas regionais, pelo menos desde 2009, num contexto em que determinadas despesas de funcionamento, caraterizadas pelo seu elevado grau de rigidez, têm vindo a ocupar crescente espaço orçamental. As disposições legais em matéria de endividamento não foram plenamente cumpridas. Com efeito, o limite anual fixado pela Assembleia Legislativa para a emissão de dívida fundada com recurso a empréstimos, incluindo créditos bancários, foi ultrapassado em, pelo menos, 155,9 milhões de euros. Por outro lado, a dívida fundada contraída na sequência da celebração de dois contratos denominados de locação financeira imobiliária, totalizando 7 milhões de euros, determinou a inobservância da regra do endividamento líquido nulo imposta às regiões autónomas pela Lei do Orçamento do Estado para 2020 (tal como já sucedia no ano anterior), pois, num caso, o investimento a financiar não integra o elenco das exceções previstas na lei à mencionada regra, e, no outro, a operação não configura uma locação financeira imobiliária, apesar de designada como tal pelas partes. Ainda neste âmbito, é de referir que o destino conferido ao produto dos empréstimos não respeitou os limites estabelecidos para as finalidades especificadas pela Assembleia Legislativa, já que as verbas registadas como tendo sido aplicadas no financiamento de projetos comparticipados por fundos comunitários e em operações de refinanciamento de dívida excederam aqueles limites em 9,6 e 0,7 milhões de euros, respetivamente. Com base na informação disponível, respeitante apenas à Administração Regional direta, verifica-se que o limite anual para o aumento do endividamento líquido fixado pela Assembleia Legislativa foi excedido em, pelo menos, 16,6 milhões de euros. A crise pandémica acentuou a tendência observada nos últimos anos para o agravamento dos riscos implícitos nos passivos contingentes com potencial impacto no Orçamento regional. Neste contexto, assume particular relevância a exposição ao Grupo SATA, por via das garantias pessoais prestadas pela Região, envolvendo responsabilidades na ordem dos 197 milhões de euros. Foi autorizada a emissão de uma garantia a favor do Fundo de Contragarantia Mútuo, na sequência da criação de uma linha de crédito específica destinada a financiar as necessidades de tesouraria das empresas regionais, designada “Linha COVID-19 – Apoio às Empresas dos Açores”, e foram concedidos seis avales, totalizando 174,6 milhões de euros. No final do ano, estas responsabilidades contingentes ascendiam a 391,5 milhões de euros, mais 94,1 milhões de euros (+31,6%) comparativamente a 2019, montante que inclui os seis avales prestados em anos anteriores pela empresa pública regional Ilhas de Valor, S.A., omitidos na Conta. Em execução de uma destas garantias, a Ilhas de Valor, S.A., na qualidade de avalista, despendeu em 2020 a quantia de 503,4 mil euros. Foram emitidas 10 cartas de conforto destinadas a garantir operações creditícias, totalizando 8,5 milhões de euros, montante que contempla as sete cartas de conforto que tiveram como patrocinadas empresas do Grupo SATA, envolvendo responsabilidades na ordem de 1,5 milhões de euros que, apesar de divulgadas na Conta, não integram os cálculos conducentes ao apuramento da dívida garantida por esta via. Nenhuma das cartas de conforto emitidas em 2020 tinha a natureza de garantia pessoal. Para 2020, o limite para a concessão de garantias pela Região Autónoma dos Açores foi fixado em 190 milhões de euros, tendo por referência a variação do stock da dívida garantida, a qual, com base nos pressupostos subjacentes aos cálculos apresentados na Conta, registou um acréscimo de 94,1 milhões de euros, traduzindo a utilização de 49,5% do referido limite. Património A Conta continua a não apresentar informação completa e sistematizada no domínio do património, no que respeita ao valor da carteira de ativos financeiros, às operações ativas realizadas pelas entidades públicas reclassificadas e aos movimentos realizados em 2020 no âmbito do património não financeiro. No exercício de 2020, o desempenho económico das entidades sob controlo da Região Autónoma dos Açores voltou a deteriorar-se de forma significativa, mantendo a tendência evidenciada em anos anteriores. Observou-se também um agravamento da dívida total daquelas entidades. Em 31-12-2020, a dívida total fixava-se em 1 202,3 milhões de euros, registando um aumento de 100,3 milhões de euros (+9,1%) face a 2019. Do total, 1 015,5 milhões de euros correspondem a dívida das entidades públicas fora do perímetro orçamental, dos quais 555,8 milhões de euros (54,7%) respeitam ao Grupo SATA. Apesar das operações de aumento de capital social realizadas pela Região Autónoma dos Açores (Sata Air Açores, S.A., e Lotaçor, S.A.) e da autorização concedida aos hospitais E.P.E.R. para a utilização dos valores em dívida na cobertura de prejuízos, persistem entidades controladas com capitais próprios/património líquido negativos e com estruturas financeiras debilitadas, que consubstanciam riscos para o orçamento da Região, na medida em que poderão vir a exigir-lhe um esforço financeiro de modo a assegurar o princípio da continuidade das operações das entidades. A Conta não apresenta informação sobre a execução dos programas de inventariação e de gestão do património imobiliário da Região Autónoma dos Açores. Também não foram divulgadas informações sobre as concessões e os arrendamentos.
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