REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS
RESPONSABILIDADES FINANCEIRAS
 

ACÓRDÃO N.º 24/2021 – 3ª S/PL
2021-10-06
Recurso Ordinário n.º 3/2021
Processo n.º 10/2020-JRF

Relator: Conselheiro José Mouraz Lopes

DESCRITORES

CULPA / ESTADO DE NECESSIDADE / FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO / INFRAÇÕES FINANCEIRAS / NÚMERO DE INFRAÇÕES
 

SUMÁRIO

  1. O princípio constitucional da fundamentação das decisões, no âmbito da responsabilidade financeira, deve ser compatibilizado, no domínio da prova, com os princípios da livre apreciação, da imediação, da prova vinculada, das presunções, das máximas de experiência e da análise crítica. Por outro lado, deve, tal princípio ser integrado, inequivocamente, pelo «princípio da concisão», como ideia chave na economia argumentativa que condiciona toda a racionalidade na decisão onde o que deve ser dito para explicitação do juízo decisório deve sê-lo de uma forma não exaustiva, mas antes sintética e breve, não utilizando mais argumentos do que os necessários para dizer o que é essencial.
  2. Na fundamentação da matéria de facto pretende-se que o Tribunal explicite, de forma concisa, a suas razões que o levaram a decidir e dar como provados determinados factos e não outros, não tendo que ser desenvolvida e minuciosamente enquadrada toda a fundamentação probatória envolvendo os factos, essenciais e não essenciais, ou instrumentais, que constem na sentença. Não se está obrigado a explicitar de forma minuciosa e em termos de assentada toda a prova produzida.
  3. A responsabilidade financeira é uma responsabilidade delitual, de natureza reintegratória ou sancionatória, decorrente da má ou deficiente gestão e utilização de dinheiros públicos por aqueles que, pelas suas funções, devem e têm obrigação legal de os utilizar e gerir devidamente.
  4. A apreciação da culpa na responsabilidade financeira, deve ter em conta as especificidades das funções em concreto desempenhadas pelos sujeitos que a ela estão obrigados tendo em conta o padrão de um responsável financeiro diligente e prudente na gestão e afetação dos dinheiros públicos que lhe compete zelar e gerir.
  5. Ao assumir, ainda que por ordem militar superior, um cargo de gestão pública, há um dever por parte do agente nomeado, de «saber onde vai e o que vai fazer». Ainda que a formação principal do agente seja de natureza clínica (médica) e militar, com formação especifica para tal, ao ir desempenhar funções de gestão de uma instituição pública, que envolve sempre matéria de natureza económica e financeira, é-lhe exigido um especial dever de conhecimentos sobre legis artis mínimas da gestão pública, nomeadamente o enquadramento legislativo, de modo a desenvolver o controlo e a gestão de forma prudencial. Não o tendo feito, ocorre uma violação do dever objetivo de cuidado devido a quem, na altura e nas circunstâncias referidas, não cumpriu os procedimentos legais devidos e que lhe eram exigidos.
  6. Para efeitos de responsabilidade financeira, o quadro jurídico normativo relativo ao estado de necessidade, ainda que na concretização de um direito de necessidade subjacente à ordem jurídica nacional, é o disposto nos artigos 34º e 35º do Código Penal.
  7. Não existe qualquer situação de exclusão de culpa quando não há factos provados que possam sequer fazer ponderar uma eventual atitude decisória do agente, em violação da lei, em relação a factos ilícitos ocorridos, numa putatitava necessidade de acautelar atendimentos, assistência médica, exames, cirurgias ou qualquer situação de paralisia do hospital.
  8. O número de tipos de infração financeira cometidos determina-se pelo número de vezes que o mesmo tipo de infração foi preenchido pela conduta do agente (artigo 30º n.º 1 do CP ex vi do artigo 67º n.º 4 da LOPTC.
  9. Estando em causa, em primeiro lugar, procedimentos aquisitivos autorização da execução das prestações e a assunção da correspondente obrigação de pagar, antes do cabimento prévio e do compromisso orçamental e sem cuidar de cumprir e fazer cumprir naqueles procedimentos aquisitivos as normas relativas à contratação e à despesa pública e, em segundo lugar, a aquisição de prestação de serviços no domínio das TIC, tendo subjacente a prestação do serviço antes do cabimento e do registo orçamental do compromisso, sem cuidar do cumprimento das normas relativas à despesa pública e sem cumprir com o dever de cuidado na contratação pública que era exigido, por não cumprir ou fazer cumprir o dever de informação prévia à Agência para a Modernização Administrativa, estão em causa duas infrações distintas e não uma única infração.

 

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