REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS
RESPONSABILIDADES FINANCEIRAS
 

SENTENÇA N.º 27/2021 – 3ª S
2021-11-29
Processo nº 9/2020-JRF

Relator: Conselheiro Paulo Dá Mesquita

DESCRITORES

CONDUTA OMISSIVA / DEVER DE CUIDADO / EXECUÇÃO DE ATOS NÃO SUBMETIDOS A FISCALIZAÇÃO PRÉVIA / LEI SUBSIDIÁRIA / OBRIGAÇÃO FUNCIONAL / RESPONSABILIDADE FINANCEIRA SANCIONATÓRIA
 

SUMÁRIO

  1. A infração prevista no artigo 65.º, n.º 1, alínea h), da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas (LOPTC) quando reportada a contratos é construída no plano dogmático por via da associação de duas condutas:
    1. Uma omissiva pura, relativa ao não cumprimento de um dever legal de submissão de contratos a fiscalização prévia;
    2. Outra ativa, a execução do contrato não submetido a fiscalização prévia.
  2. Relativamente à conduta omissiva é nuclear ter presente que nas várias normas que estabelecem atos e contratos sujeitos a fiscalização prévia, um ponto se afigura pacífico, essa forma de controlo apenas opera sobre atos e contratos e não sobre omissões de atos.
  3. Pelo que, constitui um facto essencial carecido de prova em ação de responsabilidade financeira por infração prevista no artigo 65.º, n.º 1, alínea h), da LOPTC a identificação de um concreto ato ou acordo que pudesse ser apresentado para efeitos de fiscalização prévia à 1.ª Secção do TdC.
  4. Na medida em que a norma da alínea b) do n.º 1 do artigo 65.º da LOPTC, na parte que interessa para o caso sub judice, se limita a determinar a ilicitude de violação de norma sobre despesas, a infração aí estabelecida não pode ser qualificada como «omissão pura», pois a norma legal não tem pressuposta exclusivamente uma conduta negativa, de non facere.
  5. O artigo 67.º, n.º 3, da LOPTC determina que ao regime substantivo da responsabilidade financeira sancionatória se aplica subsidiariamente o disposto nos títulos I e II da Parte Geral do Código Penal (CP), o que compreende a norma do artigo 10.º, n.º 1, do CP que, na parte aqui relevante, estabelece: quando um tipo legal compreende um certo resultado o facto punível compreende também a omissão da ação adequada a evitá-lo.
  6. Categoria de ilícitos, de comissão de um resultado por omissão, cuja punibilidade depende, ainda, de se comprovar que sobre o omitente recaía um dever jurídico que pessoalmente o obrigasse a evitar esse resultado (artigo 10.º, n.º 2, do CP).
  7. A assunção do cargo de presidente de câmara municipal transporta corolários como um nível de empenho, estudo e conhecimento das regras acima do homem médio, que não foi incumbido dessas funções, inclusive ao nível da defesa ativa dos princípios nucleares consagrados no regime legal sobre finanças locais como a unidade e a universalidade dos orçamentos.
  8. Os presidentes de câmaras municipais que integram o órgão executivo de uma associação de municípios de fins específicos devem assegurar que todas as despesas e receitas dessa entidade constem do respetivo orçamento.
  9. O julgamento de eventuais infrações financeiras subsumíveis às alíneas b) ou d) do n.º 1 do artigo 65.º da LOPTC por incumprimento da referida obrigação funcional (relativa aos princípios da unidade e universalidade dos orçamentos) tem de apreciar a específica conduta do agente à luz de um elemento ou categoria conceptual, exigibilidade, em que deve ser ponderado o grau do ilícito ou défice de precauções tendo em atenção ainda o carácter particular das circunstâncias externas em relação com as características do agente, na medida em que estas dificultem de forma extraordinária o cumprimento absoluto do dever de cuidado, no fundo a ponderação de um quadro, fundamentalmente exógeno, sobre uma limitação do dever de cuidado exigível aos agentes tendo também presente o concreto e efetivo relevo do ilícito em face dos fins prosseguidos pelas normas violadas.

 

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