DESCRITORES
REFORMA DAS FINANÇAS PÚBLICAS / ENQUADRAMENTO ORÇAMENTAL / SISTEMA DE NORMALIZAÇÃO CONTABILÍSTICA PARA AS ADMINISTRAÇÕES PÚBLICAS – SNC-AP / ENTIDADE CONTABILÍSTICA ESTADO / GESTÃO FINANCEIRA / PRAZO / UNIDADE DE IMPLEMENTAÇÃO / RECOMENDAÇÕES / PRESTAÇÃO DE CONTAS / PLANO DE RECUPERAÇÃO E RESILIÊNCIA
SUMÁRIO
- A reforma das finanças públicas iniciada em 2015 pela Lei de Enquadramento Orçamental (LEO) e pelo Sistema de Normalização Contabilística para as Administrações Públicas (SNC-AP) encontra-se alinhada com as melhores práticas internacionais de contabilidade e relato e constitui um avanço essencial à prática atual de gestão financeira pública em Portugal. A reforma concretiza-se essencialmente ao nível de três domínios: um novo processo orçamental com a orçamentação por programas e a orçamentação plurianual reformuladas, uma nova Conta Geral do Estado (CG E) que inclua demonstrações financeiras com informação completa sobre as responsabilidades e os ativos do Estado e um novo modelo de gestão de tesouraria. Estes são instrumentos necessários à melhoria da transparência e da accountability e passos essenciais para dotar as gerações futuras de instrumentos credíveis e catalisadores de uma gestão para a sustentabilidade das finanças públicas.
- A auditoria teve por objeto o seguimento das recomendações efetuadas pelo Tribunal aos processos de implementação da LEO e do SNC-AP no âmbito do acompanhamento realizado pelo Tribunal desde 2016 e divulgado em 7 relatórios de auditoria e em 3 Pareceres sobre a CG E, dando-se também conta, nesta sede, da inclusão dos projetos no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).
- A Lei de 2015 definiu um prazo ambicioso, estabelecendo que o novo regime se aplicaria plenamente ao exercício orçamental de 2019, porém este prazo foi adiado já em duas revisões da LEO e, presentemente, prevê-se uma execução faseada, a concluir com a apresentação de demonstrações financeiras previsionais no OE 2027.
O plano de implementação da LEO de junho de 2017, reprogramado em 2018, previa 31 projetos organizados em seis eixos. Porém, este relatório vem evidenciar que passados 6 anos, e mesmo mantendo sólido o compromisso com a prossecução da reforma, o grau de execução dos projetos que a concretizam é baixo e traduz um ritmo de progressos aquém do definido. O PRR, aprovado em julho 2021, veio dar um novo impulso ao financiar a generalidade dos projetos identificados desde o início da reforma. No entanto, a programação incluída em sede de PRR ocorre sem que o Ministério das Finanças tenha dado conhecimento da avaliação dos trabalhos já desenvolvidos, dos constrangimentos ocorridos e riscos potenciais e da nova calendarização com a introdução de medidas corretivas, uma vez que muitas das circunstâncias se mantêm inalteradas, tal como demonstrado ao longo deste relatório e abaixo sumariado.
- A liderança desta reforma compete ao Ministro das Finanças. A sua implementação cabe à UniLEO, entidade especialmente criada para o efeito, em funções desde 2016, e responsável também pela coordenação da implementação do SNC-AP, sendo a sua aplicação da responsabilidade de cada um dos organismos da administração pública (AP). Porém, o défice de liderança foi-se tornando evidente à medida que foi sendo adiada a concretização dos produtos basilares ao processo, designadamente um plano de implementação realista e periodicamente atualizado, um modelo de governação da UniLEO operacional e a identificação dos responsáveis pela execução de cada um dos projetos. Ao nível da UniLEO, cujo modelo de governação se encontra em avaliação desde março de 2019, verifica-se que o Gabinete Executivo nunca reuniu, os membros dos Gabinete Técnico e do Gabinete de Gestão e Coordenação dos Projetos não foram designados, o Gabinete Técnico reuniu apenas uma vez e não foram definidos os responsáveis pelos projetos. Também não foi assegurada a estabilidade da UniLEO dado que, desde a sua criação em 2016, foram nomeados quatro Coordenadores. A dotação orçamental da UniLEO tem-se situado, em média, em cerca de 2,6 M€, embora a sua despesa anual nunca tenha ultrapassado os 0,3 M€, em reflexo da não utilização da dotação destinada ao desenvolvimento ou aquisição de software informático. Em termos de recursos humanos, a UniLEO dispunha de 16 colaboradores em meados de 2019 mas, desde junho de 2020, não possui pessoal técnico, encontrando-se a realizar a sua atividade em colaboração com a DGO e a eSPap.
- As atividades que foram sendo realizadas, ao longo do período de 6 anos, incluem planeamentos diversos, avaliação de sistemas de informação e a realização de reuniões com várias entidades. Porém, verifica-se que já em 2021 foram constituídas novas equipas dos projetos ECE e S3CP, com o objetivo de os reavaliar. Acresce que se mantém ainda em curso a reavaliação do modelo de governação da UniLEO. Ora, sendo estes projetos basilares à reforma em curso, a sua reavaliação nesta fase e a indefinição quanto ao modelo de governação não reforçam a confiança no processo nem sinalizam, por si só, uma estratégia de recuperação dos atrasos e alinhamento com os prazos da LEO.
- Ao nível dos produtos finais, as várias auditorias realizadas pelo Tribunal identificam progressos na concretização de alguns projetos embora em número restrito. É o caso dos desenvolvimentos ao nível da faturação eletrónica e do documento contabilístico e de cobrança, das novas regras definidas para a integração contabilística das entidades e dos testes de reporte no portal de integração contabilística do S3CP, dos novos mapas da proposta do Orçamento do Estado (OE) e das Grandes Opções do Plano e da informação do relatório do OE segundo o modelo preconizado pela LEO, aplicados em 2021, incluindo-se também a adoção da classificação funcional internacionalmente utilizada e de uma tabela única de fontes de financiamento (transversal à administração central), bem como o programa orçamental-piloto incluído na proposta do OE 2022. Porém, e apesar da prossecução de atividades neste domínio pelas entidades competentes, as matérias essenciais continuam sem desenvolvimentos significativos, designadamente: (i) a revisão dos principais normativos legais complementares à LEO; (ii) o desenvolvimento dos sistemas de informação de suporte à orçamentação por programas, à consolidação de contas ou à gestão previsional da tesouraria do Estado; (iii) a implementação da Entidade Contabilística Estado (ECE); (iv) a orçamentação por programas; (v) o modelo de gestão da tesouraria do Estado e (vi) a reforma do sistema de controlo interno.
- Já quanto à implementação do SNC-AP, em 2017 foram reunidas condições que impulsionaram o início da transição para o novo regime contabilístico, como seja a publicação de uma estratégia de disseminação e implementação e a coordenação deste processo pela UniLEO que promoveu, através de reuniões mensais da denominada Comissão de Acompanhamento, o esclarecimento de dúvidas contabilísticas e a divulgação de um manual de implementação. Seguiu-se um esforço de coordenação no alinhamento dos sistemas de informação e correspondentes regras de validação no âmbito da prestação de contas, passando o Tribunal a ser o ponto único de entrega da prestação de contas das entidades, através de uma nova plataforma eletrónica. Toda uma estratégia ao longo de quatro anos e o trabalho das entidades envolvidas permitiu que as contas referentes a 2020 tenham sido entregues em SNC-AP por cerca de 52% das entidades publicas que prestaram contas (3 209 contas).
- O processo de aplicação do SNC-AP possui fragilidades, essencialmente ao nível da estratégia e da comunicação, da harmonização e controlo de soluções informáticas, da qualidade dos recursos humanos e do sistema de controlo interno. Estes aspetos são essenciais para assegurar a qualidade da informação contabilística. No entanto, não se encontra ainda definida a utilização da informação prestada pelas entidades em SNC-AP, ao nível das demonstrações consolidadas a integrar o OE e a CGE.
- Concomitantemente à implementação dos processos de reforma, o Tribunal foi emitindo recomendações, que totalizaram 26 e que cobriram quer a gestão dos processos, quer a elaboração de produtos intermédios. Ao nível da gestão dos processos, o Tribunal recomendou a concretização das responsabilidades pela liderança da reforma, a designação dos membros das equipas dos Gabinetes da UniLEO, a constituição de equipas de projetos, a articulação com as entidades prestadoras de informação das operações da ECE, bem como o acompanhamento e respetiva divulgação do processo de criação e operacionalização da ECE e a articulação da estratégia de implementação do SNC-AP com o da reforma da administração financeira do Estado. Recomendou também a concretização de produtos intermédios importantes para o processo de reforma, designadamente: um Plano de Implementação da LEO reformulado, um plano de implementação da ECE, um modelo de governação da UniLEO, um quadro legal revisto, um quadro metodológico e legal para a orçamentação por programas, um regime de tesouraria do Estado revisto e um sistema de controlo interno da administração financeira do Estado atualizado. Não foi apresentada evidência quanto à concretização da maioria destes produtos. Assim, conclui-se que a maioria das recomendações continuam pertinentes, uma vez que não foram ultrapassadas as ineficiências e lacunas que as motivaram.
- O PRR inclui 7 áreas de atuação ao nível da implementação da LEO, estando previstos investimentos que totalizam 123 M€, a concretizar até 2025 e que abrangem o desenvolvimento de sistemas de informação, envolvendo custos com consultadoria, no valor de 71 M€, licenciamento, software e hardware, no valor de 47 M€ e outros custos, no montante de 6 M€. Estes investimentos indiciam que a maioria dos projetos que constavam, logo em 2017 no Plano de Implementação da LEO, se encontram novamente previstos nesta sede. De facto, a lista de projetos de implementação da LEO atualmente incluídos no PRR, não sendo nova face ao planeamento que existe desde 2017 justifica que, e ainda com maior premência, seja necessário credibilizar o processo com uma liderança efetiva e com um planeamento detalhado.
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