CONTROLO SUCESSIVO
RELATÓRIO DE AUDITORIA N.º 11/2021 -2ªS/SS Relator: Conselheira Ana Leal Furtado |
DESCRITORES COVID-19 / LEI DE ENQUADRAMENTO ORÇAMENTAL / LIMITES PLURIANUAIS DA DESPESA / OBJETIVO DE MÉDIO PRAZO / ORÇAMENTO DO ESTADO / PROGRAMAÇÃO PLURIANUAL / PROGRAMAS ORÇAMENTAIS / QUADRO ORÇAMENTAL DE MÉDIO PRAZO SUMÁRIO O quadro plurianual de programação orçamental (QPPO) foi introduzido no processo orçamental português em 2011 no contexto das reformas estruturais previstas no Programa de Assistência Económica e Financeira (2011/2014). A sua implementação pretende introduzir uma perspetiva plurianual na gestão orçamental, contribuir para atingir objetivos orçamentais compatíveis com limites de despesa e contribuir para a definição de prioridades de política pública que incorporem o respetivo impacto de médio prazo e uma perspetiva de equidade intergeracional. O presente relatório aprecia a definição e a implementação do QPPO aprovado para o quadriénio 2016-2019, designadamente quanto à eficácia da fixação de limites plurianuais de despesa no processo orçamental, tendo como referência as normas de enquadramento orçamental, as normas europeias sobre os quadros orçamentais de médio prazo e as boas práticas reconhecidas nesta matéria. A ação integra uma auditoria paralela com outras instituições superiores de controlo da União Europeia cuja finalidade é avaliar os quadros orçamentais de médio prazo à luz das boas práticas internacionais. Conclui-se que o QPPO cumpre apenas a missão formal de identificar valores de referência para a despesa da administração central no médio prazo, suportado num exercício de recolha de informação com base numa coordenação institucional alargada. A sua implementação consiste em revisões anuais aos valores fixados no início do processo, em função das previsões em sede de Orçamento do Estado o que, na prática, implica a respetiva subordinação ao tradicional ciclo anual, contrariamente à finalidade de uma regra de limitação da despesa num horizonte plurianual, sem ligação clara aos objetivos orçamentais e às prioridades de política pública. Estas conclusões resultam do exame efetuado, do qual se destacam as seguintes observações, que fundamentam as recomendações formuladas.
O QPPO 2016-2019 apenas inclui a despesa efetiva do subsetor Estado, excluindo a despesa não efetiva (despesa com ativos e passivos financeiros), bem como a despesa do subsetor dos serviços e fundos autónomos, exceto transferências do Estado para estas entidades. O racional desta opção é que o QPPO traduz o esforço financeiro do Estado, com impacto no saldo orçamental. No entanto, para além de desvirtuar o modelo fixado na LEO 2001, que não limita o QPPO à despesa efetiva, verificam-se inconsistências, uma vez que o procedimento realizado não garante que sejam abrangidas apenas despesas efetivas: i) por um lado, partes das transferências do Estado para os serviços e fundos autónomos (incluídas no QPPO) podem ser aplicadas em despesas não efetivas; e ii) por outro, o Estado realiza despesa não efetiva (como empréstimos e aumentos de capital), posteriormente utilizada pelas entidades beneficiárias em despesa efetiva, que não é considerada no QPPO. Apesar disso, ao englobar a despesa com transferências para os subsetores das administrações regional e local e da segurança social, que representam, em média, cerca de 25% da execução da despesa considerada, o QPPO abrange indiretamente a despesa desses subsetores. Entre 2016 e 2019 a despesa abrangida pelo QPPO representou, em média, 76% da despesa efetiva da administração central e 57% da despesa efetiva do conjunto das administrações públicas.
Foram adotados vários procedimentos para a construção, elaboração e atualização dos limites para a despesa fixados no QPPO, porém: i) esses procedimentos não se encontram estabelecidos em normas ou instruções aprovadas, nem suportados por sistemas de informação, mas assentes na recolha de dados de natureza declarativa, sujeitos à análise por parte das entidades responsáveis pelo processo; ii) não se encontra estabelecida a necessidade de elaborar informações que suportem a proposta de QPPO e que englobem, designadamente, as perspetivas macroeconómicas e orçamentais, o quadro de médio prazo e as prioridades de política subjacentes; iii) não existem procedimentos específicos para a monitorização do cumprimentos dos limites fixados no QPPO; e iv) os documentos de programação orçamental têm vindo a incluir atualizações aos limites de despesa definidos pelo QPPO, mas demonstram falta de articulação e de visão estratégica sobre a programação orçamental.
A introdução de um QPPO destina-se a contribuir para uma cultura de disciplina no âmbito da elaboração e execução do OE, definindo antecipadamente a restrição orçamental para um horizonte temporal de quatro anos. Porém, existe uma fraca autonomização de QPPO em relação ao orçamento anual, isto é, os limites inscritos no QPPO encontram-se dependentes dos valores do Orçamento, quando o expectável seria o inverso. Esta situação reduz a eficácia que se visa alcançar com um instrumento orçamental plurianual, capaz de gerar incentivos a limitações a compromissos de despesas plurianuais.
Foram cumpridos os limites para a despesa inscritos no QPPO 2016-2019. A execução da despesa ficou aquém dos limites fixados quer no QPPO inicial (à exceção do ano de 2019), que no âmbito da respetiva lei do Orçamento do Estado, com uma taxa de execução média de 98,1% no período. Não obstante, os programas orçamentais Ensino Básico e Secundário e Administração Escolar e Saúde têm ultrapassado sistematicamente os respetivos limites; pelos montantes envolvidos e por se tratar de situações recorrentes, estes programas carecem de uma abordagem que assegure uma previsão orçamental mais realista.
O QPPO identifica valores anuais de despesa para um horizonte temporal de 4 anos, mas não abrange a componente de avaliação dos programas e respetivas políticas, nem avaliação do impacto em termos de sustentabilidade das finanças públicas. Por sua vez, nem as Grandes Opções do Plano, nem os Programas de Estabilidade contêm informação sobre a compatibilidade dos limites de despesa previstos no QPPO com os objetivos de médio prazo. Consequentemente, não existe uma conexão coerente e transparente entre os limites de despesa definidos no QPPO e os objetivos orçamentais, designadamente a evolução prevista para o saldo orçamental e a ligação entre as políticas públicas previstas nos documentos de política orçamental e os valores de despesa identificados no QPPO.
O impacto orçamental decorrente das medidas excecionais adotadas de resposta à crise provocada pela pandemia COVID-19 levou à aprovação de um Orçamento suplementar em 2020 e, em paralelo, à atualização dos limites da despesa constantes do QPPO 2020-2023, mas apenas para o ano de 2020. A revisão dos limites do QPPO 2020-2023 reforça as limitações já assinaladas para o QPPO 2016-2019, uma vez que se mantém a: i) sobreposição da lógica anual à abordagem plurianual que o QPPO visa alcançar; ii) falta de fundamentação suficiente da revisão dos limites de despesa; e iii) falta de ligação da revisão dos limites com as medidas adotadas que, neste caso específico, é também prejudicada pela deficiente identificação e quantificação das medidas no Programa de Estabilidade 2020. A atualização do QPPO efetuada para o período 2021-2024 passou a abranger toda a despesa, de acordo com a LEO 2015, pelo que engloba a despesa correspondente às medidas de resposta à crise decorrente da pandemia. No entanto, a inexistência da ligação dos meios financeiros às medidas de política orçamental continua a reduzir o quadro orçamental de médio prazo a um exercício formal que não assegura o equilíbrio entre a trajetória sustentável das finanças públicas e os riscos de um ajustamento orçamental que ponha em causa a recuperação.
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