REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS
CONTROLO PRÉVIO E CONCOMITANTE
 

ACÓRDÃO N.º 18/2021 – 1ªS/PL
2021-07-07
Processo n.º 895/2021

Relator: Conselheiro Paulo Dá Mesquita
* “com declaração de voto”

DESCRITORES

ACORDO QUADRO / AJUSTE DIRETO / CONTRATO DE EMPREITADA / CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS / CONTRATO RELACIONADO / DISPENSA DE FISCALIZAÇÃO PRÉVIA / FISCALIZAÇÃO PRÉVIA / ISENÇÃO DE VISTO / PREÇO CONTRATUAL / PRINCÍPIO DO PEDIDO.
 

SUMÁRIO

A) Fixação pelo Plenário da 1.ª Secção de orientação interpretativa visando a unidade de aplicação do direito sobre matéria que não integra a ratio decidendi do julgamento

  1. Um dos corolários do princípio do pedido nos processos de fiscalização prévia é a necessidade de um requerimento inicial relativo a concreto ato ou contrato (artigo 81.º, n.os 1 e 2, da LOPTC).
  2. Num processo de fiscalização prévia relativo a determinado contrato, o tribunal não pode proferir decisão com efeito de caso julgado sobre a sujeição a essa forma de fiscalização de um outro contrato (ainda que outorgado pela mesma entidade) que não integre o objeto do requerimento da entidade.
  3. As auditorias (em que vale um princípio de oficiosidade) são os únicos meios procedimentais que o Tribunal de Contas pode acionar para que entidades submetam a fiscalização prévia específico ato ou contrato ou categorias de atos ou contratos que não foram anteriormente remetidos para essa forma de controlo, estando previsto de forma expressa no artigo 49.º, n.º 2, da LOPTC que em «fiscalização concomitante», se «se apurar a ilegalidade de procedimento pendente ou de ato ou contrato ainda não executado», o Tribunal pode determinar que «a entidade competente para autorizar a despesa» seja «notificada para remeter o referido ato ou contrato à fiscalização prévia e não lhe dar execução antes do visto, sob pena de responsabilidade financeira».
  4. As categorias acordos quadro singulares, por um lado, e contratos celebrados ao abrigo de acordos quadro singulares, por outro, são analiticamente autónomas no plano jurídico.
  5. A circunstância de uma entidade requerente não ter submetido a fiscalização prévia um instrumento anterior (acordo quadro singular) que conforma um contrato relativamente ao qual pede que o tribunal conceda o visto não limita o poder jurisdicional do Tribunal para conhecer todas as questões de legalidade relevantes para efeitos do artigo 44.º, n.º 3, da LOPTC, nomeadamente, ilegalidades no procedimento de formação do acordo singular suscetíveis de contaminar a legalidade do contrato celebrado ao seu abrigo que constitui o objeto do processo impulsionado pela entidade.
  6. O alargamento do âmbito da pronúncia a matérias que não integram a ratio decidendi do julgamento no concreto processo de fiscalização prévia é incompatível com a natureza epistemológica da atividade jurisdicional do tribunal nesse tipo de processos, que tem como necessária justificação uma motivação no todo ou em parte cognitiva e sempre normativamente fundada.
  7. A matéria jurídica objeto de alargamento da discussão ao colégio dos juízes da 1.ª Secção do TdC a fim de assegurar a unidade de aplicação do direito, embora se reporte a problema de interpretação essencial para aplicação do direito num caso concreto, é suscetível de ser formulada com contornos de abstração: saber se são dispensados de fiscalização prévia contratos de prestação de serviços de valor inferior a 750.000 € celebrados ao abrigo de acordo quadro singular de valor igual ou superior a 950.000 €.

B) Contratos de prestação de serviços celebrados ao abrigo de acordo quadro em face do âmbito objetivo da fiscalização prévia

  1. Para efeitos do preenchimento dos requisitos estabelecidos na norma da alínea b) do n.º 1 do artigo 46.º da LOPTC, as empreitadas celebradas ao abrigo de acordo quadro singular constituem contratos de aquisição de serviços que envolvem um tipo de obrigação sinalagmática para o credor e implicam despesa relativa à contraprestação do adjudicante.
  2. Um contrato de prestação de serviços celebrado por uma entidade enquadrada no artigo 2.º, n.º 1 da LOPTC ao abrigo de um acordo quadro singular integra, independentemente do seu valor, o âmbito objetivo da fiscalização prévia estabelecido pelo artigo 46.º, n.º 1, alínea b), da LOPTC.

C) Dispensa de fiscalização prévia e a relação entre o acordo quadro singular e o contrato celebrado ao seu abrigo

  1. Os acordos quadro singulares são contratos celebrados entre uma entidade adjudicante e um único adjudicatário com vista a disciplinar relações contratuais futuras a estabelecer ao longo de um determinado período de tempo, mediante a fixação antecipada dos termos dos contratos a celebrar ao seu abrigo bem como de todos os aspetos relativos à respetiva execução (artigos 251.º e 252.º, n.º 1, al. a), do CCP).
  2. Nas tipologias em apreciação, a relação jurídica fundamental opera entre o acordo quadro singular e os contratos celebrados ao seu abrigo e não se reporta à conexão, secundária, dos vários ajustes diretos entre si.
  3. Existindo entre o acordo quadro singular e o contrato celebrado uma conexão jurídica inequívoca e derivada do efeito conformador do primeiro sobre o segundo, deve concluir-se que está preenchido o conceito de «contratos relacionados» para efeitos do disposto no artigo 48.º, n.º 2, da LOPTC sendo o valor atendível o que se encontra estabelecido no acordo quadro singular.
  4. Consequentemente, as empreitadas celebradas ao abrigo de um acordo quadro cujo valor contratual seja igual ou superior a 950.000 € nunca estão dispensadas de fiscalização prévia (ainda que os concretos ajustes diretos tenham valor inferior a 750.000 €).

 

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