DESCRITORES
ATIVIDADE EMPRESARIAL LOCAL / CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL / CLÁUSULA DE IMOBILIZAÇÃO / CONTRATO DE EMPRÉSTIMO / CONTRATO PROGRAMA / DECLARAÇÃO DE CONFORMIDADE / EMPRESA LOCAL / ENDIVIDAMENTO MUNICIPAL / ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA / FINANCIAMENTO / NULIDADE / OBJETO DO CONTRATO / PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES / PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE / RECUSA DE VISTO / REJEIÇÃO DA PROPOSTA / SUBSÍDIOS.
SUMÁRIO
A) Realização de investimentos na área de concessão das Empresas municipais.
- Nos termos da Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto (Regime Jurídico da Atividade Empresarial Local e das Participações Locais), os municípios podem criar empresas locais às quais podem delegar poderes (desde que esta faculdade conste expressamente na deliberação que determinou a sua constituição e nos respetivos estatutos – artigo 27.º, n.º 1 da Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto).
- Tratando-se de entes distintos, a concessão de empréstimos ou a transferência de fundos a outros títulos está expressamente vedada, de forma direta, não podendo as entidades públicas participantes conceder às empresas locais participadas quaisquer formas de subsídios ao investimento ou em suplemento a participações de capital (artigo 36.º n.º 1 da Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto), ou indireta, através da contratação respeitante à adjudicação de aquisições de bens ou serviços, locações, fornecimentos ou empreitadas (artigo 36.º n.º 2 da Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto).
- A celebração de contratos de empréstimos destinados a financiar investimentos, no âmbito de contratos programa ou contratos de gestão delegada que concretizem e atribuam funções específicas na área da construção e manutenção das infraestruturas urbanísticas e das redes públicas de águas e resíduos, entre o município e uma empresa local viola o disposto no artigo 36.º, n.º 1 da Lei n.º 50/2021, de 31 de agosto, aplicado por interpretação extensiva com base num argumento de maioria de razão, que proíbe a concessão de subsídios ao investimento, e, em geral, o princípio de separação patrimonial e financeira entre as duas entidades.
- A deliberação da assembleia municipal, que aprovou os investimentos, bem como os empréstimos visando financiá-los é nula por violação do artigo 36.º da Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto, do artigo 4.º, n.º 2, da Lei n.º 73/2013, de 3 de Setembro (Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais) e do artigo 59.º, n.º 2, al. c) da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro (Regime Jurídico das Autarquias Locais, das Entidades Intermunicipais e do Associativismo Autárquico).
- A realização de um investimento nestes termos, conduz ainda a um enriquecimento sem causa da empresa à custa do município (e ao empobrecimento correspetivo deste a favor daquela), uma vez que este estaria a realizar atividades que nos termos dos estatutos (artigo 2.º, n.º 3) e do contrato-programa são da responsabilidade da primeira.
- A omissão por parte do município de dados ao Tribunal, tendo respondido de forma a induzi-lo em erro, viola os deveres de boa fé, concretizados em termos de violação de deveres de lealdade e de informação, na relação com um órgão de soberania.
B) Admissibilidade da proposta da instituição de crédito
- O endividamento autárquico orienta-se, nos termos do artigo 48.º da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, por princípios de rigor e eficiência, prosseguindo os seguintes objetivos: minimização de custos diretos e indiretos numa perspetiva de longo prazo, de garantia de uma distribuição equilibrada de custos pelos vários orçamentos anuais, de prevenção de excessiva concentração temporal de amortização e de não exposição a riscos excessivos [respetivamente, alíneas a), b), c) e d), artigo 48.º da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro].
- Os municípios podem contrair empréstimos de curto prazo, com prazo até um ano ou a médio e longo prazos, com prazo superior a um ano (artigo 49.º da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro).
- Cabendo à assembleia municipal a autorização de contração do empréstimo, a lei impõe que o pedido destinado a essa finalidade seja obrigatoriamente acompanhado de “demonstração de consulta, e informação sobre as condições praticadas quando esta tiver sido prestada, em, pelo menos, três instituições autorizadas por lei a conceder crédito, bem como de mapa demonstrativo da capacidade de endividamento do município.”
- Não sendo cumprida esta disposição, em qualquer das suas vertentes, relativas, tanto ao convite, como à verificação da conformidade das diversas propostas com as suas condições, devendo rejeitar aquelas que não as preencham, a deliberação de aprovação do empréstimo é inválida.
- Tratando-se no caso sub judice de uma proposta desconforme com o convite, porque diz respeito a um contrato diferente, uma abertura de crédito, daquele para o qual as entidades foram convidadas a apresentar propostas, um mútuo, deveria ter sido excluída.
C) Licitude do contrato celebrado com a instituição de crédito
- Incluindo o contrato celebrado duas tranches de crédito, mas não se encontrando definidas as condições da utilização de cada uma delas e o investimento a que se destinam, o objeto do contrato não está determinado, nem é determinável, estando ferido de nulidade, nos termos do artigo 280.º, n.º 1 do Código Civil.
- A configuração da cláusula de imobilização prevista na cláusula 8.º. n.º 1, al. c) do contrato: 0,375% calculada sobre o montante do crédito não utilizado calculada dia a dia a debitar na data do pagamento de juros, não é lícita havendo uma dependência genética entre a obrigação de capital e a obrigação de juros.
- Como se trata de uma cláusula contratual geral é nula por violação do artigo 17.º, al. b) do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de novembro.
- A Lei das cláusulas contratuais gerais) é aplicável a este contrato, porque, relativamente a ele, não se verifica a exclusão prevista no seu artigo 3.º, al. d) do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de novembro.
- Numa outra vertente de análise da cláusula, sendo ela configurada como uma comissão, está sujeita ao regime específico das comissões bancárias, estruturado com base nos princípios da efetividade, razoabilidade e da proporcionalidade.
- Por não corresponder ao tipo legal que a lei permite e regula, o mútuo, esta cláusula não tem cobertura legal no regime do artigo 51.º da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro.
- Ao tê-la aceite, o município violou artigo 51.º, n.º 10 e o artigo 4.º, n.º 2 da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, bem como o artigo 59.º, al. c) da Lei n.º 75/2013. Não se encontrando a despesa com essa comissão prevista na lei para os empréstimos a médio e longo prazo, a aprovação do empréstimo que a contem é nula.
- As ilegalidades apontadas enquadram-se nos fundamentos de recusa de visto previstos no artigo 44.º, n.º 3 da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas.
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