SECÇÃO REGIONAL DOS AÇORES
RELATÓRIO DE AUDITORIA N.º 05/2021 – FS/SRATC Relator: Conselheiro Araújo Barros |
DESCRITORES AUDITORIA / CARTA DE CONFORTO / CONTRATO DE ARRENDAMENTO / CONTRATO DE EMPRÉSTIMO / CONTRATO PROGRAMA / CONTRATO PROMESSA / DISSOLUÇÃO / DÍVIDA / EMPRESA / ENDIVIDAMENTO / IMPACTO FINANCEIRO / INTERESSE PÚBLICO / PARCERIA PÚBLICO PRIVADA – PASSIVO FINANCEIRO / RECOMENDAÇÕES / SETOR EMPRESARIAL AUTÁRQUICO / SISTEMA DE NORMALIZAÇÃO CONTABILÍSTICA PARA AS ADMINISTRAÇÕES PÚBLICAS (SNC-AP) SUMÁRIO O projeto de construção do Tecnoparque foi levado a efeito recorrendo, de início, a um modelo de financiamento assente numa parceria público-privada de tipo institucional, mediante a criação da empresa local EML, E.M., que, por seu turno, participou na constituição da Portas da Lagoa, S.A., empresa de capitais maioritariamente privados que ficou encarregada de obter o financiamento e de promover a execução das empreitadas necessárias à concretização do projeto. A constituição da parceria público-privada não se sustentou numa análise custo benefício que evidenciasse as vantagens desta opção face ao modelo de contratação pública tradicional, na medida em que tal decisão visou apenas contornar as restrições legais ao endividamento a que o Município da Lagoa se encontrava sujeito. Em execução da estratégia definida, o Município da Lagoa promoveu diversas operações envolvendo os terrenos onde foi edificado o Tecnoparque, na sequência das quais a titularidade dos direitos de propriedade dos imóveis transitou da esfera patrimonial do Município para a empresa privada Portas da Lagoa, S.A., substancialmente a título gratuito. As transformações operadas no sector empresarial do Município da Lagoa, na sequência da aprovação do regime jurídico da atividade empresarial local, vieram pôr termo ao modelo de contratação inicialmente adotado, o qual visava assegurar que os encargos do empréstimo contraído pela Portas da Lagoa, S.A., para financiar a execução do empreendimento seriam integralmente suportados por verbas provenientes do orçamento municipal. No sentido de ultrapassar tais constrangimentos e com idêntico propósito, foram celebrados os contratos de arrendamento objeto da auditoria, no âmbito dos quais a EML, E.M. – Em liquidação, tomou de arrendamento à Portas da Lagoa, S.A., pelo prazo de 26 anos, 29 dos 51 lotes que integram o Tecnoparque, obrigando-se, em contrapartida, a pagar lhe uma quantia na ordem dos 22,4 milhões de euros, valor que não reflete os preços de mercado nem a utilidade a retirar do arrendamento dos lotes em causa. Com a extinção da EML, E.M., o Município da Lagoa assumiu a respetiva posição contratual e, consequentemente, a obrigação de pagar diretamente à Portas da Lagoa, S.A., as rendas devidas até ao termo do contrato. Por sua vez, a Portas da Lagoa, S.A., consignou estas receitas como garantia do pontual cumprimento do serviço da dívida do empréstimo de 15,8 milhões de euros contraído em 2008 para financiar a execução do empreendimento. A celebração do contrato de arrendamento foi, assim, a alternativa encontrada pelo executivo municipal para contornar as restrições impostas pelo regime jurídico da atividade empresarial local à estratégia inicialmente gizada para financiar a construção do Tecnoparque e continuar a proporcionar à Portas da Lagoa, S.A., os meios financeiros para que esta satisfaça atempadamente as responsabilidades emergentes da sua dívida financeira, como foi reiteradamente assumido pelos responsáveis municipais. Findo o arrendamento, em 2041, a titularidade dos direitos de propriedade dos lotes que, entretanto, não tenham sido alienados, permanecerá na posse da empresa privada Portas da Lagoa, S.A. O modelo contratual que subjaz ao arrendamento gera estímulos contrários à captação de investimentos para o Tecnoparque, pois, na perspetiva da Portas da Lagoa, S.A., o interesse é de que os lotes se mantenham arrendados ao Município, por valores que não consegue obter no mercado, sem qualquer ocupação, de modo a que, no termo do contrato, os possa vender ou conferir-lhes outro destino. De acordo com o referencial contabilístico do SNC-AP, aplicável às entidades do subsector da administração local a partir de 2020, as responsabilidades emergentes do contrato de arrendamento cumprem os critérios de reconhecimento de um passivo financeiro, devendo, em conformidade, ser como tal reconhecidas, mensuradas e evidenciadas nas demonstrações financeiras do Município da Lagoa. Em consequência da diferença de tratamento contabilístico conferido pelo SNC AP ao contrato de arrendamento, face ao POCAL, é expectável que a dívida total do Município da Lagoa tenha ultrapassado o respetivo limite legal em 2020. Neste cenário, a partir de 2021, o Município ficará obrigado a reduzir o excesso de endividamento e a aderir aos mecanismos de recuperação financeira municipal previstos no regime financeiro das autarquias locais e das entidades intermunicipais. Recomendações (ao Município da Lagoa) Proceder ao reconhecimento e mensuração das responsabilidades financeiras emergentes do contrato de arrendamento de acordo com o referencial contabilístico do SNC-AP, evidenciando o correspondente passivo financeiro no balanço de abertura, elaborado com referência a 01 01 2020, data da transição para o SNC-AP. Aderir aos mecanismos de recuperação financeira municipal, se o nível da dívida total, calculado com base nas demonstrações financeiras elaboradas de acordo com o SNC-AP, assim o determinar, decorrido que seja o período de suspensão de aplicação das normas do regime financeiro das autarquias locais e das entidades intermunicipais que impõem a adoção de medidas corretivas aos municípios em situação de desequilíbrio financeiro.
TRANSFERIR TEXTO INTEGRAL |