REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS
CONTROLO PRÉVIO E CONCOMITANTE
 

ACÓRDÃO Nº 1/2021 – 1ª S/PL
2021-01-12
Processo nº 04/19-AUD/FP

Relator: Conselheiro Fernando Oliveira Silva
* com declaração de voto

DESCRITORES

ADMISSIBILIDADE DE RECURSO / INEXISTÊNCIA DE ILÍCITO FINANCEIRO / RELATÓRIO DE AUDITORIA / RESPONSABILIDADES FINANCEIRAS / TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA.
 

SUMÁRIO

  1. No caso sub judice está em causa uma decisão da Secção Regional da Madeira do Tribunal de Contas (SRMTC) que aprovou um relatório de auditoria que teve por objeto o apuramento de responsabilidades financeiras e no qual são feitos juízos de censura sobre visados, dado que, conforme se extrai do §3.3 do relatório de auditoria, são identificados responsáveis, incluindo o ora recorrente, aos quais são imputáveis “ilegalidades que configuram eventuais infrações financeiras previstas e punidas pelo art.º 65.º, n.º 1, al. b), da LOPTC, sendo imputáveis, nos termos do art.º 61.º, n.º 4, da LOPTC, aplicável in casu por força do disposto no art.º 67.º, n.º 3, do mesmo diploma.”
  2. Poder-se-ia concluir pela irrecorribilidade da decisão caso da mesma tivesse resultado o prosseguimento da ação para julgamento de responsabilidade financeira, situação em que aos visados seria assegurada uma tutela jurisdicional efetiva por via da possibilidade de recurso da sentença que nesse domínio fosse proferida.
  3. Porém, a mencionada decisão concluiu pela relevação da responsabilidade financeira sancionatória imputável pela factualidade enunciada nos pontos 3.1.1 a 3.1.4, do relatório de auditoria, ao abrigo do disposto no art.º 65.º, n.º 9, als. a) a c), da LOPTC, inexistindo, assim, prosseguimento da ação para julgamento de responsabilidades financeiras.
  4. Donde se conclui pela legalidade da admissão do peticionado recurso, tal como o fez a Exmª Juíza Conselheira da SRMTC, desaplicando neste domínio a norma do artigo 96.º, n.º 2 da LOPTC, por estar em causa o exercício de um direito a uma tutela jurisdicional efetiva por parte do recorrente, visado no relatório de auditoria como responsável pela prática de infrações financeiras.
  5. Resolvida a questão prévia, concluindo-se pela admissibilidade do recurso em apreço, subsiste a questão nuclear de apurar se os juízos de censura dirigidos ao recorrente por via da imputação de responsabilidades financeiras, ainda que a título indiciário, no relatório de auditoria, têm sustento legal à luz do respetivo regime jurídico estabelecido nos artigos 57.º a 70.º da LOPTC.
  6. O presente recurso centra-se, tal como peticionado pelo recorrente, na problemática em torno da eventual ilegalidade com reflexos no plano da responsabilidade financeira, pelo facto de aquele autarca ter subscrito e apresentado ao executivo municipal uma proposta de contratação de empréstimo em condições consideradas contrárias aos princípios da concorrência, da igualdade e da transparência.
  7. A imputação de responsabilidade financeira sancionatória, à semelhança do que sucede com os ilícitos penais, assenta, em primeiro lugar, num juízo de tipicidade do ilícito, isto é, na existência de uma norma legal que concretize, de forma objetiva, uma ação ou uma omissão cuja prática constitua uma infração com relevância num daqueles planos.
  8. A norma invocada para efeitos de imputação de responsabilidade financeira sancionatória àquele visado foi a do artigo 65.º, n.º 1, alínea b) da LOPTC que dispõe que o TdC pode aplicar multas no caso de “violação das normas sobre a elaboração e execução dos orçamentos, bem como da assunção, autorização ou pagamento de despesas públicas ou compromissos”.
  9. Ora, não nos parece que a simples elaboração ou subscrição de uma proposta de contratação de empréstimo, a submeter ao órgão executivo, feita pelo ora recorrente, ainda que a mesma apresente irregularidades ou imperfeições, possa constituir, de per si, fundamento que permita a integração do ilícito financeiro plasmado no mencionado artigo 65.º, n.º 1, alínea b) da LOPTC, nomeadamente no segmento “violação de normas sobre a assunção, autorização e pagamento de despesas públicas”.
  10. É que a referida proposta não é apta, por si só, a permitir a realização de uma despesa ilegal, uma vez que não é um ato decisório. No plano da responsabilidade financeira a consumação de uma despesa ilegal apenas pode ocorrer com a prévia autorização da mesma, caso em que o ato autorizativo é, esse sim, integrador de um ato ilícito com potenciais consequências no plano da responsabilidade financeira.
  11. E ainda que assim não fosse, a verdade é que, tal como alega o recorrente, nem todas as atuações irregulares, no plano da assunção, autorização e pagamento de despesas constituem infrações financeiras, nem mesmo quando sejam fundamento de recusa de visto, como foi o caso.
  12. Donde se conclui que é desprovida de fundamento, por inexistência de ilícito financeiro, a imputação de responsabilidades financeiras inserta no relatório de auditoria, a fls. 31.
  13. Concluindo pela inexistência de ilícito financeiro, quanto à atuação do recorrente, carece de sentido a relevação da responsabilidade financeira do mesmo, inserta na decisão da SRMTC, pois só poderá haver relevação de responsabilidade, nos termos do artigo 65.º, n.º 9, da LOPTC, quando exista infração.
  14. Termos em que se deve anular a decisão da SRMTC, no segmento em que imputa tais responsabilidades financeiras, em concreto o parágrafo do relatório de auditoria do ponto 3.3., de fls. 31, transcrito no § 36 do acórdão.

 

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