DESCRITORES
AMORTIZAÇÃO / CONTRATO DE EMPRÉSTIMO A LONGO PRAZO / CONTRATO DE MÚTUO / ENDIVIDAMENTO MUNICIPAL / ENTIDADE GESTORA FINANCEIRA / FUNDO EUROPEU ESTRUTURAL E DE INVESTIMENTO / INSTRUMENTO FINANCEIRO PARA A REABILITAÇÃO E REVITALIZAÇÃO URBANAS / PARTILHA DE RISCOS / PERÍODO DE CARÊNCIA / PRINCÍPIO DA CONCORRÊNCIA / PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA / REABILITAÇÃO URBANA / REJEIÇÃO DA PROPOSTA.
SUMÁRIO
- O contrato objeto de fiscalização é uma modalidade especial de contrato de mútuo (cf. artigos 1142.º a 1151.º do Código Civil) qualificado como empréstimo bancário, sendo de longo prazo quanto ao vencimento, na medida em que se vence em prazo superior a 5 anos (cf. artigos 1.º e 2.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei nº 344/78, de 17 de novembro), e integra o âmbito objetivo e subjetivo (atento o mutuário) da fiscalização prévia, em face do disposto nas disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea c), 5.º, n.º 1, alínea c), e 46.º, n.º 1, alínea a), da LOPTC.
- O contrato de empréstimo está enquadrado pelas regras de financiamento do Instrumento Financeiro para a Reabilitação e Revitalização Urbanas 2020 (IFRRU 2020), instrumento financeiro criado no âmbito do Portugal 2020, cujo objetivo é o financiamento de operações de reabilitação urbana, operando, nomeadamente, no quadro das regras comuns aplicáveis aos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento (FEEI).
- As regras de financiamento referentes aos FEEI não derrogam em termos genéricos o núcleo do regime legal de endividamento municipal estabelecido no Regime Jurídico das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais (RJALEI) e no Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais (RFALEI), embora, por força do n.º 12 do artigo 51.º do RFALEI, as regras sobre prazo de utilização do capital, diferimento e âmbito da amortização em empréstimos de longo prazo estabelecidas no artigo 51.º, n.os 4 e 5, do RFALEI sejam derrogadas quando o empréstimo se reporta a apoios que revestem a natureza de instrumentos financeiros, os quais são regulados pela legislação europeia e regulamentação específica aplicáveis.
- O IFRRU 2020 compreende a atribuição de apoios aos beneficiários finais através das entidades gestoras financeiras (EGF), que criam e gerem instrumentos financeiros e nesse âmbito disponibilizam produtos financeiros em condições mais vantajosas face às existentes no mercado tendo de respeitar o modelo de partilha de riscos entre os fundos públicos e privados estabelecido no acordo de financiamento.
- As EGF nos instrumentos financeiros do IFRRU 2020 nas suas relações com os beneficiários finais atuam de acordo com uma dupla veste: (i) Instituições de crédito e (ii) Gestores de fundos IFRRU 2020 sujeitos a específicas regras derivadas de um particular acordo de financiamento, domínio em que exercem uma função pública.
- Este contexto sistémico-funcional afigura-se relevante no controlo da legalidade financeira, embora, por força da economia e teleologia específicas do processo de fiscalização prévia, esta não seja a sede para desenvolver a sindicância da atuação global das EGF, mas apenas de eventuais irregularidades refletidas no contrato objeto de fiscalização, importando, apenas, assinalar que a referida atribuição de funções públicas a entes privados se enquadra num fenómeno mais geral do direito administrativo contemporâneo.
- A proposta apresentada pela instituição bancária adjudicatária (e o contrato outorgado) não obedece à matriz estabelecida no convite formulado pelo adjudicante, compreendendo uma cisão entre as tranches financiadas pelo IFRRU 2020 e pela entidade bancária, com amortizações autónomas dos capitais respetivos sendo conferida preferência e prioridade à amortização da tranche suportada em fundos próprios da instituição de crédito.
- A diversidade da proposta relativamente à matriz do convite repercute-se na marcha do procedimento e no tratamento diferenciado relativamente aos outros concorrentes, sendo violada uma condição vinculativa para as propostas sobre respeito equivalente por todas as propostas das regras gerais do IFRRU 2020 em matéria de período de carência, o que deveria ter implicado a exclusão da proposta.
- As condições apresentadas na proposta adjudicada não tendo sido previstas no convite formulado às EGF tinham pressuposta a respetiva incomparabilidade com as restantes propostas, sendo inadmissível a sua apresentação como alternativas concorrenciais, atendendo ao disposto nos artigos 49.º, n.º 5, do RFALEI e 25.º, n.º 4, do RJALEI.
- A proposta vencedora padece de um vício relativo à violação das condições estabelecidas no convite formulado pelo adjudicante, que deveria determinar a respetiva exclusão, na medida em que o mesmo não previa a admissão de propostas variantes, sob pena de violação dos princípios da transparência e da concorrência para as eventuais propostas dos interessados, nomeadamente, quando se remeteu para as regras do IFRRU 2020.
- O prazo do empréstimo da proposta vencedora foi fixado consoante a origem do financiamento e distintos períodos de carência, condição não permitida em face das regras fixadas no convite.
- O complexo normativo vigente, em particular as regras do Direito da União Europeia visam partilha de riscos conformadas por um princípio de proporcionalidade proibindo a maior exposição dos fundos públicos aos riscos de incumprimento, paradigma revelado nos artigos 44.º e 45.º do Regulamento (UE) n.º 1303/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 6.º, n.º 1, alínea d), e 7.º, n.º 2, f) do Regulamento Delegado (UE) n.º 480/2014 da Comissão e repercutido nas regras sobre reutilização dos recursos reembolsados ao instrumento financeiro do Regulamento (UE) n.º 964/2014, da Comissão.
- A modalidade de empréstimo adotada no contrato fiscalizado permite a liquidação integral da tranche financiada com fundos próprios da EGF antes de se iniciar a amortização do capital financiado por despesas públicas, violando os imperativos de proporcionalidade e de partilha de riscos equivalente entre as duas tranches.
- A deliberação que aprovou o empréstimo, na medida em que contrariou as normas dos artigos 25.º, n.º 4, do RJALEI e 49.º, n.º 5, do RFLAEI enferma de nulidade (atendendo ao disposto nos termos do artigo 59.º, n.º 2, alínea c), do RJALEI e do artigo 4.º n.º 2, do RFLAEI), por ter autorizado despesa não permitida por lei, preenchendo o fundamento de recusa de visto previsto no artigo 44.º, n.º 3, alínea a), da LOPTC.
- O desrespeito das normas dos artigos 25.º, n.º 4, do RJALEI e 49.º, n.º 5, do RFALEI constitui, ainda, violação direta de normas financeiras, subsumível à alínea b) do n.º 3 do artigo 44.º da LOPTC.
- O desrespeito pelo contrato de empréstimo do complexo normativo constituído pelos artigos 16.º, n.º 8, 37.º, n.º 2, 38.º, n.os 4 e 7, 39.º, n.º 5, 44.º, 45.º e anexo IV do Regulamento (UE) n.º 1303/2013, artigos 6.º, n.º 1, alínea d), e 7.º, n.º 2, f) do Regulamento Delegado (UE) n.º 480/2014 da Comissão, regras sobre reutilização dos recursos reembolsados ao instrumento financeiro do Regulamento (UE) n.º 964/2014, da Comissão e cláusulas 8.ª e 15.ª do Acordo de Financiamento, constitui também violação direta de normas financeiras.
- A subsunção de violações da lei na previsão das alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 44.º da LOPTC implica, em sede de fiscalização prévia, a recusa de visto.
- A violação do princípio da concorrência deve ser qualificada como ilegalidade prevista na alínea c) do n.º 3 do artigo 44.º da LOPTC que preenche um segundo requisito constante da previsão dessa norma na medida em que a mesma pode alterar o resultado financeiro.
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