REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS
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SENTENÇA N.º 37/2024 – 3ª S
2024-10-31
Processo n.º 15/2024-JRF

Relator: Conselheiro António Francisco Martins

DESCRITORES

CARTÃO DE CRÉDITO / CONFLITO DE DEVERES / INFRAÇÃO FINANCEIRA SANCIONATÓRIA / NEGLIGÊNCIA.
 

SUMÁRIO

  1. A deliberação camarária sobre a aprovação de uso de cartão de crédito, para pagamento de certas despesas, não se sobrepõe aos dispositivos legais que estabelecem determinados procedimentos, em termos de realização da despesa pública, nomeadamente a exigência de cabimentação prévia da despesa e registo de compromisso válido e sequencial.

  2. O uso de cartão de crédito, mesmo que nos termos e limites da deliberação camarária (“despesas urgentes e inadiáveis no âmbito das rúbricas acima discriminadas”) tem de ser considerado apenas como um meio de pagamento, não podendo ser entendido como uma forma de poder ser realizada despesa pública de “forma automática”, ou seja, sem necessidade da observância de quaisquer “formalismos”, nomeadamente cabimentação prévia e registo de compromisso.

  3. A conduta de realização de despesas com a aquisição de bens e serviços sem que previamente tenha havido cabimentação e sem a emissão de compromisso válido e sequencial e, assim, em violação das disposições legais que estabelecem tais procedimentos, preenche o elemento objetivo da infração prevista na 2.ª parte da alínea b) do n.º 1 do artigo 65.º - violação de normas sobre a assunção ou pagamento de despesas públicas ou compromissos – e da alínea d) do mesmo preceito – violação de normas legais relativas à gestão e controlo orçamental.

  4. A conduta do demandado não pode deixar de ser qualificada como negligente porquanto, ao não ter obtido, ou assegurar-se que tinha sido obtida, cabimentação prévia e que tinha sido emitido compromisso válido e sequencial, anteriormente à realização da despesa, não atuou de forma atenta, cuidada, diligente e prudente, no que tange ao cumprimento do ciclo da despesa pública, não cuidando de observar, como era seu dever, a conformidade do seu comportamento com as normas que estabelecem tais procedimentos.

  5. O dever de assegurar o funcionamento do órgão autárquico, assembleia municipal, deve sobrepor-se ao dever de assegurar a regularidade do ciclo de realização da despesa pública e, nessa medida, considerando as circunstâncias do caso, a conduta de realização de uma despesa no período da pandemia da Covid19 e para assegurar o funcionamento “imediato” da reunião da assembleia municipal, não deve considerar-se ilícita.

 

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