REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS
SECÇÃO REGIONAL DOS AÇORES
 

PARECER SOBRE A CONTA
DA REGIÃO AUTÓNOMA DOS AÇORES – 2022

2023-10-30

Relator: Conselheira Maria Cristina Flora Santos

 

DESCRITORES

AÇORES.REGIÃO AUTÓNOMA / ANO 2022 / CONTA DA REGIÃO AUTÓNOMA / PARECER / TRIBUNAL DE CONTAS.
 

SUMÁRIO

Orçamento

A elaboração do Orçamento da Região Autónoma dos Açores para o ano 2022 não teve por base um modelo macroeconómico completo com se impunha. Todavia, assenta no quadro plurianual de programação orçamental para o período de 2022 a 2025.

A proposta de Orçamento foi apresentada pelo Governo Regional à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores no prazo legal e de um modo geral observou as disposições legais aplicáveis quanto ao conteúdo do articulado e à estrutura dos mapas orçamentais. Contudo, os anexos informativos não contemplaram um conjunto significativo de informação, na qual se destaca a apreciação do princípio orçamental da equidade intergeracional.

O orçamento da Administração Regional direta aprovado ascendeu a 1 941 milhões de euros, enquanto o dos serviços e fundos autónomos, incluindo entidades públicas reclassificadas, atingiu o montante de 830 milhões de euros.

Não houve acolhimento da recomendação formulada pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores sobre o princípio orçamental da especificação, uma vez que os mapas do Orçamento não integraram as despesas de investimento por classificação económica.

Não houve acolhimento da recomendação formulada pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores uma vez que os mapas do Orçamento não integram as despesas de investimento por classificação económica, em incumprimento do princípio orçamental da especificação.

Conta

A Conta foi remetida ao Tribunal no prazo legal e compreende a generalidade dos mapas legalmente previstos, porém não foi ainda apresentada de acordo com o referencial contabilístico SNC-AP. A receita do sector público administrativo foi de 1 820,8 milhões de euros e a despesa de 1 708,1 milhões de euros.

A receita efetiva perfez 1 240,8 milhões de euros e a despesa efetiva 1 393,7 milhões de euros, apurando-se um saldo global ou efetivo negativo de 152,9 milhões de euros.

Em contabilidade nacional, os valores provisórios divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística, I.P., apontam para um défice orçamental do sector público administrativo regional de 413,8 milhões de euros, mais 27,5 milhões de euros do que em 2021.

Receita e despesa da Administração Regional direta

Na estrutura da receita da Administração Regional direta (1 709,8 milhões de euros) destacam-se as receitas fiscais (744,2 milhões de euros – 43,5%), os passivos financeiros (455 milhões de euros – 26,6%) e as transferências (406,5 milhões de euros – 23,8%).

O Tribunal validou 1 681,8 milhões de euros da receita registada na Conta (98%).

Na despesa (1 625,4 milhões de euros) salientam-se as transferências e subsídios (973,8 milhões de euros – 59,9%).

Comparativamente a 2021, a receita diminuiu 116,4 milhões de euros (-6,7%), verificando-se decréscimos nas reposições não abatidas nos pagamentos em 73,9 milhões de euros e nas transferências de capital, em especial as provenientes da União Europeia (-69,6 milhões de euros). As transferências do Orçamento do Estado diminuíram 22,2 milhões de euros.

Por sua vez, a despesa diminuiu 103,5 milhões de euros (-6%), contribuindo para tal, por um lado, as reduções nas transferências de capital em 83,8 milhões de euros, nos ativos financeiros em 24,4 milhões de euros e nos subsídios em 11,8 milhões de euros, e, por outro, os aumentos nas despesas com o pessoal em 8,3 milhões de euros e nos passivos financeiros em 6,1 milhões de euros.

A receita foi inferior à projeção orçamental em 231,7 milhões de euros, devido sobretudo ao recebimento de 237,4 milhões de euros de transferências da União Europeia face ao estimado.

A despesa ficou aquém menos da dotação prevista em 316,1 milhões de euros, com desvio mais expressivo nas transferências de capital (executado menos 123,4 milhões de euros do que a dotação orçamental).

Nas transferências do Orçamento do Estado (291,3 milhões de euros) sobressaem as transferidas em cumprimento do princípio da solidariedade (181,4 milhões de euros) e as referentes ao fundo de coesão para as regiões ultraperiféricas (99,8 milhões de euros).

O registo da componente referente ao princípio da solidariedade foi efetuado na íntegra em transferências correntes, em desacordo do que decorre do Estatuto Político Administrativo da Região Autónoma dos Açores.

As transferências da União Europeia (98,2 milhões de euros) diminuíram 69,6 milhões de euros face ao ano anterior, decorrente, essencialmente, das verbas respeitantes ao Plano de Recuperação e Resiliência, que registaram uma quebra de 60,9 milhões de euros. O montante transferido representa 29,3% da importância prevista no orçamento para 2022 (335,7 milhões de euros).

Das transferências de fundos europeus para os beneficiários finais (291,3 milhões de euros), 112,2 milhões de euros (38,5%) foram destinados a entidades públicas e 179,1 milhões de euros (61,5%) a entidades privadas.

Os registos nos mapas contabilísticos da Conta não contemplam a totalidade da receita e da despesa da Administração Regional direta, encontrando-se por contabilizar 510,6 milhões de euros e 362,9 milhões de euros, respetivamente, associados a operações de dívida e a movimentos relativos a fundos europeus.

Tendo por base uma amostra dos pagamentos efetuados no âmbito do agrupamento aquisição de bens de capital da Administração Regional direta, verificou-se que as regras de processamento das despesas foram observadas.

Receita e despesa dos serviços e fundos autónomos

A receita dos serviços e fundos autónomos (548,6 milhões de euros) teve origem essencialmente em transferências (92,1%), sobretudo as provenientes da Administração Regional direta (86,6% – 474,9 milhões de euros). A despesa (530,5 milhões de euros) foi constituída em 62,4% por despesas com pessoal.

Relativamente à previsão orçamental, foram cobrados menos 79,9 milhões de euros (execução de 87%) e despendidos menos 97,9 milhões de euros (execução de 84%).

Receita e despesa das entidades públicas reclassificadas

A receita das entidades públicas reclassificadas (309,6 milhões de euros) teve origem em transferências (88,9%), essencialmente provenientes da Administração Regional direta (268,6 milhões de euros). A despesa (299,3 milhões de euros) respeita em 50,6% a despesas com pessoal e em 41,6% a aquisição de bens e serviços.

Comparativamente à previsão orçamental, foram cobrados menos 29,7 milhões de euros (execução de 91%) e gastos menos 40 milhões de euros (execução de 88%).

Fluxos entre entidades do perímetro e para o exterior

O valor dos fluxos entre entidades do perímetro orçamental, apurado com base nos dados da Conta (743,7 milhões de euros), aproxima-se do montante eliminado na consolidação apresentada na Conta.

Os fluxos das entidades do sector administrativo regional para entidades externas ao perímetro orçamental foram de 293,8 milhões de euros. Destes, 150,5 milhões de euros destinaram-se ao sector privado, 130,6 milhões de euros a empresas públicas, 7,7 milhões de euros à administração local e 4,5 milhões de euros à administração central.

Subvenções a privados

As subvenções a privados (150,5 milhões de euros) foram inferiores às de 2021 em 41,6 milhões de euros (-22%) e destinaram-se, maioritariamente, a empresas (83 milhões de euros) e a instituições sem fins lucrativos (50 milhões de euros).

Continuam a não ser devidamente identificados os beneficiários de algumas subvenções e a avaliação dos resultados divulgada na Conta é insuficiente.

Tesouraria

O modelo organizativo e funcional da área da tesouraria apresentou progressos em 2022, decorrentes da aprovação da nova orgânica da Secretaria Regional das Finanças, Planeamento e Administração Pública. Contudo, a Entidade Contabilística Região ainda não foi regulamentada.

As entidades do sector público administrativo da Região Autónoma dos Açores continuaram a movimentar fundos com inobservância do princípio da unidade de tesouraria.

A Conta identifica 50 contas bancárias tituladas pela Administração Regional direta cujo volume financeiro total, em movimentos a crédito e a débito, ascendeu a 4,7 mil milhões de euros. Apenas cinco destas contas integravam o sistema de centralização de tesouraria e registaram, em movimentos a crédito e a débito, 2,1 mil milhões de euros (44% do total).

Dívida e outras responsabilidades

Em 2022, as entidades do sector público administrativo regional recorreram a operações de dívida flutuante, ou seja, dívida contraída para ser amortizada no próprio ano, que proporcionaram a obtenção de recursos no montante de 168,8 milhões de euros.

As operações geradoras de dívida fundada ascenderam a 795,7 milhões de euros, dos quais 592,1 milhões de euros corresponderam à contratação de novos empréstimos, 202,2 milhões de euros à assunção de dívidas de entidades do sector público empresarial regional e 1,4 milhões de euros à celebração de contrato de locação financeira imobiliária.

Os encargos da dívida do sector público administrativo regional (40,1 milhões de euros) aumentaram 1,9 milhões de euros comparativamente ao ano anterior. Este resultado justifica-se pelo aumento da dívida financeira, apesar da redução da respetiva taxa de juro implícita.

Em 31-12-2022, a dívida financeira do sector público administrativo regional ascendia a 2 829,1 milhões de euros, tendo aumentado 407,1 milhões de euros (+16,8%) face a 31-12-2021.

A expansão da dívida pública regional foi essencialmente determinada pela necessidade de financiar o défice orçamental de 152,9 milhões de euros, pela assunção de dívida financeira da Lotaçor, S.A., e da Sata Air Açores, S.A., no montante global de 187,1 milhões de euros, e pela realização de operação de aumento de capital social da Sata Air Açores, S.A., na importância de 62 milhões de euros.

O perfil de reembolso da dívida pública regional evidencia uma distribuição intertemporal diferenciada, em virtude da emissão de dívida bullet, em que o reembolso ocorre integralmente na data de vencimento/maturidade.

A dívida total do sector público administrativo regional manteve a tendência ascendente evidenciada anteriormente, tendo-se agravado em, pelo menos, 472 milhões de euros (+17,9%), atingindo no final do exercício orçamental de 2022 a importância de, pelo menos, 3 108,4 milhões de euros.

O montante máximo acumulado das emissões vivas de dívida flutuante ascendeu a 90,4 milhões de euros, tendo sido cumprido o limite legal estabelecido no artigo 39.º da Lei das Finanças das Regiões Autónomas.

A regra do limite à dívida regional prevista no artigo 40.º, n.º 1, da Lei das Finanças das Regiões Autónomas, manteve-se suspensa em 2022 devido aos efeitos da pandemia da COVID-19.

O limite anual fixado pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores para a emissão de dívida fundada com recurso à contratação de empréstimos, incluindo créditos bancários, foi excedido em 132,7 milhões de euros.

A parcela dos recursos provenientes da emissão obrigacionista, de 152 milhões de euros, destinados ao financiamento de projetos com comparticipação de fundos comunitários e para fazer face aos efeitos económicos e sociais provocados pela pandemia da COVID-19, foi alocada do seguinte modo: ações com cofinanciamento comunitário, 52 milhões de euros, e medidas de combate aos danos económicos e sociais provocados pela pandemia da COVID-19, 100 milhões de euros. Não foi possível comprovar que estes valores foram efetivamente aplicados nas referidas finalidades.

O Governo Regional continua a não cumprir o disposto no artigo 27.º, alínea V), subalínea 1), da Lei n.º 79/98, de 24 de novembro, na medida em que não demonstra a aplicação que foi conferida ao produto dos empréstimos contraídos pelas entidades que integram o perímetro orçamental.

No pressuposto de que o produto do empréstimo obrigacionista foi efetivamente aplicado nas finalidades previstas, conclui-se que as operações de crédito contraídas pela Administração Regional direta cumprem o limite anual para o aumento do endividamento líquido fixado pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores

A dívida de 3,9 milhões de euros do Clube de Golfe da Ilha Terceira assumida pela Ilhas de Valor, S.A., não integra o elenco das operações de financiamento autorizadas pelo Orçamento da Região Autónoma dos Açores de 2022 (refinanciamento ou financiamento de projetos com comparticipação de fundos comunitários e para fazer face aos efeitos económicos e sociais provocados pela pandemia da COVID-19).

Para além disso, a assunção desta dívida implicou o aumento do endividamento líquido, contrariando o estabelecido no Orçamento da Região Autónoma dos Açores para 2022 (artigo 17.º, alínea d), do Decreto Legislativo Regional n.º 38/2021/A, de 23 de dezembro.

Património

A Conta apresentou melhorias nas divulgações relacionadas com os créditos detidos pelas entidades públicas reclassificadas, bem como sobre o ponto de situação da inventariação do património imobiliário da Região Autónoma dos Açores.

A carteira de ativos financeiros da Região Autónoma dos Açores ascendia, à data de 31-12-2022, a 307,2 milhões de euros, dos quais 281,9 milhões de euros respeitavam a participações financeiras, 11,7 milhões de euros a créditos concedidos e 13,6 milhões de euros a outros ativos financeiros.

O desempenho económico das entidades participadas pela Região Autónoma dos Açores piorou. O decréscimo em 41 milhões de euros face ao ano transato (-44,7%) dos recursos obtidos através das respetivas atividades operacionais (EBITDA) resultou da diminuição, em idêntico montante, dos apoios ao funcionamento das entidades.

A dívida total daquelas entidades aumentou, fixando-se, no final do ano, em 1 323,3 milhões de euros, mais 62,2 milhões de euros do que em 2021 (+4,9%). Do total, 1 168,4 milhões de euros correspondem à dívida das entidades públicas fora do perímetro orçamental, dos quais 646,4 milhões de euros (55,3%) respeitam ao Grupo SATA.

À semelhança do observado nos últimos anos, persistem entidades participadas com património líquido/capital próprio/fundo patrimonial negativo e com estruturas financeiras debilitadas, que consubstanciam riscos para o Orçamento da Região, na medida em que poderão vir a exigir-lhe um esforço financeiro de modo a assegurar o princípio da continuidade das operações das entidades.

Em 2022 não foram realizadas operações ativas ao abrigo do n.º 1 do artigo 19.º do Decreto Legislativo Regional n.º 38/2021/A, de 23 de dezembro. Todavia, no âmbito do n.º 2 do mesmo artigo, que não fixou limite, foram realizadas operações que ascenderam a 62,3 milhões de euros.

Naquele ano, o património não financeiro da Região Autónoma dos Açores contabilizado ascendia a 1 150,7 milhões de euros, dos quais 1 054,5 milhões de euros respeitam a bens imóveis.

 

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