REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS
SECÇÃO REGIONAL DOS AÇORES
 

RELATÓRIO DE AUDITORIA N.º 1/2023 – FS/SRATC
AUDITORIA AO GRUPO SATA 2013-2019
2023-04-20
Ação n.º 21-D601

Relator: Conselheira Maria Cristina Flora Santos

DESCRITORES

AÇORES. REGIÃO AUTÓNOMA / ANÁLISE ECONÓMICA / ATIVIDADE OPERACIONAL / AUDITORIA / CAPITAL SOCIAL / COMPARTICIPAÇÃO COMUNITÁRIA / COMPENSAÇÃO FINANCEIRA / COMUNIDADE EUROPEIA (CE) / CONTRATO DE CONCESSÃO / EMPRESA REGIONAL / ENDIVIDAMENTO / INDEMNIZAÇÃO COMPENSATÓRIA / CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA / PAGAMENTO / RECOMENDAÇÕES / SERVIÇO PÚBLICO / SUBSÍDIO À EXPLORAÇÃO / TRANSPORTE AÉREO.
 

SUMÁRIO

O que auditámos?

Na sequência de solicitação da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, o Tribunal de Contas realizou a presente auditoria com o propósito de identificar as principais causas do significativo agravamento do desequilíbrio económico e financeiro do Grupo SATA observado entre 2013 e 2019, período em que os prejuízos acumulados totalizaram 260 milhões de euros, o passivo passou de 198,6 milhões de euros para 464,8 milhões de euros e o capital próprio – que à partida já era negativo (-19,4 milhões de euros) – foi sujeito a uma acentuada erosão, essencialmente devido aos sucessivos prejuízos registados, acabando por se fixar em -230,3 milhões de euros no final de 2019.

O que concluímos (principais conclusões)?

Função acionista – Orientações e controlo:

  • O Governo da Região Autónoma dos Açores não emitiu orientações estratégicas para as empresas do Grupo SATA, nem promoveu a celebração de contratos de gestão com os respetivos gestores públicos.
  • Os documentos previsionais das empresas do Grupo SATA não foram formalmente aprovados pelo representante do acionista único, dando-se inclusivamente o caso de, em 2016, não existir sequer deliberação formalizada em ata da aprovação daqueles documentos por parte do conselho de administração das sociedades.
  • As empresas do Grupo SATA continuaram a não observar, na generalidade, o procedimento legal de elaboração e aprovação dos documentos necessários ao acompanhamento e controlo das respetivas atividades.

Sata Air Açores, S.A.:

  • No âmbito dos contratos de concessão de serviços aéreos entre as ilhas dos Açores, em vigor no período em análise, foram realizadas 8 765 frequências para além dos serviços mínimos contratualizados.
  • Na execução daqueles contratos registaram-se desvios entre os défices de exploração reais e os correspondentes valores contratualizados, que nem sempre deram lugar à reposição do equilíbrio financeiro da concessão. Nestas circunstâncias, a Sata Air Açores, S.A., assumiu a componente dos défices não compensados, que totalizou 9,2 milhões de euros.
  • Registaram-se atrasos significativos no pagamento das compensações financeiras devidas pela Região Autónoma dos Açores no âmbito daquela concessão, que no final de 2019 ascendiam a 51,7 milhões de euros.
  • Impulsionada pelos atrasos no pagamento daquelas compensações financeiras, assim como pelas crescentes necessidades de liquidez da subsidiária Sata Internacional – Azores Airlines, S.A., a dívida financeira da Sata Air Açores, S.A., expandiu-se 123,7 milhões de euros (+100,7%), atingindo 246,4 milhões de euros no final de 2019.
  • A Sata Air Açores, S.A., confronta-se com uma situação de falência técnica, desde 2013, que se agravou em resultado dos sucessivos prejuízos acumulados (o capital próprio passou de -18,9 milhões de euros naquele ano, para -30,7 milhões de euros em 2019).

Sata Internacional – Azores Airlines, S.A.:

  • No âmbito do processo de renovação da frota da Sata Internacional – Azores Airlines, S.A., a opção inicial de substituir os quatro Airbus A310 por dois Airbus A330-200 (wide-body) contrariou em toda a linha os estudos elaborados pelas consultoras Aviado Partners e Lufthansa Consulting, os quais coincidiam num ponto essencial: o modelo de aeronave que melhor se adequava à rede de operações da empresa era do tipo narrow-body, asserção sustentada por uma análise comparativa das margens que seriam obtidas operando uma frota exclusivamente constituída por aeronaves deste tipo, face à alternativa de utilização de uma frota mista.
  • Em 28-07-2016, decorridos apenas quatro meses desde a entrada em operação do Airbus A330-200, a assembleia geral da Sata Internacional – Azores Airlines, S.A., deliberou aprovar a proposta de revisão do Plano de Negócios 2015/2020 apresentada pelo novo conselho de administração, revertendo a estratégia anteriormente delineada para a renovação da frota.
  • Apesar de a decisão de substituir o Airbus A330-200 ter sido tomada em julho de 2016, a aeronave manteve-se em linha até 09-11-2018 e esteve ociosa até junho de 2020, quando se concluiu o respetivo processo de phase-out, na sequência do acordo estabelecido para a cessação antecipada do respetivo contrato de locação, mediante o pagamento ao locador de uma indemnização na ordem dos 20,4 milhões de euros.
  • Todas as evidências recolhidas apontam no sentido de que a opção inicial pelo Airbus A330-200 foi uma decisão estratégica errada, tecnicamente não sustentada e sem racionalidade gestionária, suscitando-se dúvidas sobre as razões subjacentes a esta opção, em consequência da qual a Sata Internacional – Azores Airlines, S.A., registou perdas na ordem dos 42,2 milhões de euros, dos quais 21,6 milhões de euros entre 2016 e 2019.
  • Entre 2013 e 2019, foi manifesta a incapacidade da Sata Internacional – Azores Airlines, S.A., gerar recursos através das suas operações, facto evidenciado pela expressão recorrentemente negativa do EBITDA, que se agravou a partir de 2017.
  • O agravamento do desequilíbrio operacional da empresa determinou o crescimento do endividamento, com o passivo a aumentar 243,6 milhões de euros (+449%) entre 2013 e 2019, fixando-se em 297,8 milhões de euros neste último ano. Deste montante, 125,7 milhões de euros (42%) reportavam-se a empréstimos concedidos por outras empresas do Grupo SATA, por conta dos quais a Sata Internacional – Azores Airlines, S.A., suportou 4,8 milhões de euros de juros em 2019.
  • Durante todo o período em análise, a empresa confrontou-se com uma situação de falência técnica, com o capital próprio negativo a ascender a -203,3 milhões de euros no final de 2019 (-3,7 milhões em 2013).

Sata Gestão de Aeródromos, S.A.:

  • A performance operacional da empresa degradou-se no período em apreciação, facto que poderá indiciar uma situação de subfinanciamento do serviço público prestado pela empresa no âmbito do contrato de concessão celebrado com a Região Autónoma dos Açores.
  • Entre 2013 e 2019, a Região cometeu à empresa a execução de um conjunto de investimentos nas diversas infraestruturas aeroportuárias concessionadas, com um montante de despesa prevista de 23,3 milhões de euros, assumindo o compromisso de suportar a componente não comparticipada por fundos comunitários.

Grupo SATA:

  • A dificuldade na obtenção de evidências formais de suporte a determinadas decisões estratégicas e operacionais tomadas no período abrangido pela ação é reveladora do elevado grau de informalidade que continuou a caracterizar o funcionamento dos órgãos sociais das empresas do Grupo SATA, circunstância que consubstancia a violação de disposições legais e estatutárias.
  • Invertendo o comportamento até então evidenciado, a partir de 2016 o volume de negócios do Grupo SATA encetou uma trajetória tendencialmente ascendente, atingindo em 2019 a expressão mais elevada no período em análise – 189,4 milhões de euros, mais 11,6 milhões de euros (+6,5%) do que em 2013.
  • O Grupo SATA não conseguiu gerar recursos através das suas operações, facto evidenciado pela expressão recorrentemente negativa assumida pelo EBITDA, com exceção dos exercícios de 2016 e de 2019, embora neste último ano exclusivamente por efeito da alteração de critérios contabilísticos associada à aplicação da norma internacional de relato financeiro IFRS 16 – Locações.
  • Este desequilíbrio operacional, com cariz estrutural, foi determinado pela operação deficitária da Sata Internacional – Azores Airlines, S.A., que se agravou substancialmente a partir de 2017, num contexto em que a Sata Air Açores, S.A., até evidenciou uma assinalável melhoria da sua performance operacional, insuficiente, porém, para acomodar as rentabilidades historicamente negativas das operações daquela subsidiária.
  • Consequentemente, entre 2013 e 2019 o Grupo SATA acumulou prejuízos na ordem dos 260 milhões de euros, dos quais 233,4 milhões de euros (90%) foram gerados pela Sata Internacional – Azores Airlines, S.A.
  • A acumulação daqueles prejuízos provocou uma deterioração substancial da respetiva situação financeira e patrimonial, com o capital próprio negativo a fixar-se, naquele último ano, em -230,3 milhões de euros (-19,4 milhões de euros em 2013), circunstância reveladora de uma situação de falência técnica que se foi agravando ao longo dos anos.
  • O Grupo SATA supriu as respetivas necessidades de financiamento recorrendo ao endividamento. Deste modo, entre 2013 e 2019 o passivo total aumentou 266,2 milhões de euros (+134%), atingindo 464,8 milhões de euros neste último ano, dos quais 245,2 milhões de euros eram exigíveis a curto prazo.
  • Em 31-12-2019, o passivo corrente superava em cerca de 132 milhões de euros o ativo com idêntica maturidade, circunstância reveladora da dimensão do desequilíbrio financeiro do Grupo SATA, que colocava em risco a continuidade das suas operações, aspeto que foi devidamente enfatizado pelo auditor externo.

Acompanhamento de recomendações:

  • A recomendação formulada ao Governo Regional para a fixação de orientações estratégicas específicas para as empresas do Grupo SATA e para a celebração de contratos de gestão com os respetivos gestores públicos não foi acolhida.
  • O Governo Regional também não tinha acolhido a recomendação formulada no sentido de cumprir pontualmente o pagamento das contrapartidas financeiras devidas no âmbito dos contratos de concessão celebrados com empresas do Grupo SATA.
  • O facto de a Sata Air Açores, S.A., ter sistematicamente excedido os défices de exploração acordados no âmbito dos contratos de concessão evidencia que a recomendação formulada no sentido de a empresa diligenciar pelo cumprimento daqueles défices não foi acatada, embora se admita que as condições contratualmente fixadas para a prestação daqueles serviços se encontrem desajustadas da realidade.

O que recomendamos?

Ao Governo Regional:

  • Definir as orientações estratégicas para as empresas do Grupo SATA, necessariamente alinhadas com o Plano de Reestruturação do Grupo SATA aprovado pela Comissão Europeia, em 07-06-2022, consubstanciando as metas e objetivos para as empresas, com carácter plurianual.
  • Celebrar contratos de gestão com os gestores públicos do Grupo SATA, definindo os objetivos a atingir.
  • Promover o cumprimento pontual dos contratos de concessão, sem introduzir modificações que visem apenas adiar o pagamento das contrapartidas financeira.

Ao Grupo SATA:

  • As deliberações dos órgãos sociais das empresas do Grupo SATA deverão constar sempre de ata, de modo a permitir documentar as reuniões dos órgãos colegiais, designadamente com a indicação da data em que foram realizadas, as presenças, as deliberações tomadas, com o respetivo conteúdo e fundamentos, e o sentido de voto de cada um dos membros do órgão.
  • Tomar as medidas adequadas a assegurar o cumprimento dos défices de exploração acordados no âmbito dos contratos de concessão celebrados.

 

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