DESCRITORES
ANO 2021 / CONTA GERAL DO ESTADO / PARECER / TRIBUNAL DE CONTAS
PARECER SOBRE A CONTA GERAL DO ESTADO – 2021
No Parecer sobre a Conta Geral do Estado, o Tribunal aprecia a atividade financeira do Estado, tal como reportada pela Conta, que abrange, em 2021, a execução orçamental de 483 entidades da administração central (AC) e a conta consolidada de 11 entidades da segurança social (SS), apresentada também em base de acréscimo. O Parecer inclui um juízo com reservas e ênfases que incidem sobre a legalidade, a correção financeira dos valores reportados na CGE e o controlo interno. À semelhança dos anos anteriores, realça-se a limitação importante de a Conta continuar a não incluir o balanço e a demonstração de resultados da AC.
A CGE 2021 foi apresentada a 16 de maio de 2022, pela primeira vez, ao abrigo da LEO de 2015 e com uma antecipação de um mês e meio face ao histórico. Porém, os elementos que a constituem não são ainda substancialmente diferentes dos de anos anteriores, na medida em que não inclui as demonstrações orçamentais e financeiras nem a Entidade Contabilística Estado por a lei ter previsto o seu adiamento para 2023. Verificam-se limitações de natureza diversa ao nível das normas e práticas contabilísticas, dos sistemas de gestão e controlo bem como do reporte da informação. Estas limitações reduzem a fidedignidade, completude e transparência da CGE 2021.
Neste contexto, são emitidas 49 recomendações ao Governo e à Assembleia da República, muitas reiteradas de anteriores Pareceres, por subsistirem as situações que justificaram a sua formulação, designadamente limitações de natureza estrutural que dependem, em grande medida, da implementação da reforma das finanças públicas e de desenvolvimentos ao nível dos sistemas de informação e da legislação, enquanto existem outros casos que evidenciam potencial para uma concretização no curto prazo. O Tribunal assinala ainda melhorias verificadas no reporte, designadamente ao nível das alterações orçamentais, do impacto das medidas COVID-19, das operações imobiliárias das EPR, das receitas cessantes da SS e das despesas de administração das entidades da SS.
O processo de reforma sem resultados e um processo orçamental pouco articulado
- A execução orçamental de 2021 encontrou-se balizada por crescimento económico (4,9%) e com os apoios públicos ainda, em muito, direcionados para a pandemia (com um impacto negativo no saldo orçamental estimado em 5 026 M€); pela ausência de resultados ao nível dos projetos de implementação da reforma das finanças públicas; com um nível de execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) ainda incipiente (71 M€) e com um reporte que mantém fragilidades.
- Os prazos de implementação dos projetos fundamentais da LEO foram adiados por duas vezes, prevendo-se uma execução faseada, a concluir no OE 2027. Porém, o Tribunal manifesta preocupação por não existir evidência de um compromisso com os respetivos prazos. Não foi ainda apresentado um plano detalhado e realista – que inclua uma programação completa, com identificação de metas e produtos intermédios (por projeto) – de forma a assegurar a sua monitorização e introdução de eventuais medidas corretivas. Embora o PRR possa vir a permitir uma maior dinâmica na implementação da reforma, subsistem fatores que justificam reservas quanto ao cumprimento dos prazos, em particular a inclusão da Entidade Contabilística Estado já no OE 2023 e de demonstrações orçamentais e financeiras consolidadas na CGE 2023. A reforma inclui também a aplicação do SNC-AP pela maioria das entidades do perímetro orçamental, tendo-se verificado que, em 2021, cerca de 30% das entidades ainda não prestaram contas em SNC-AP, incluindo-se as 11 entidades da segurança social.
- Seria útil que os documentos do processo orçamental de 2021, designadamente o Relatório do OE, a Lei das Grandes Opções do Plano, o Programa de Estabilidade e o Relatório da CGE, fossem consistentes entre si. De facto, verifica-se que estes não permitem uma apreciação dos resultados das políticas executadas face aos valores previstos, por subsistirem fragilidades várias de articulação e coerência entre a informação reportada. São também omissos quanto ao impacto da reforma das finanças públicas no reporte orçamental e incompletos no tratamento de matérias previstas na LEO, como seja o princípio da equidade intergeracional e riscos futuros para as finanças públicas.
- Continuam a verificar-se desvios significativos entre os valores previstos e os executados, com a suborçamentação da receita fiscal e contributiva e sobreorçamentação das outras receitas correntes e de capital que, sem prejuízo da incerteza subjacente a qualquer previsão, revelam fragilidades.
- A relevância de incorporar a perspetiva de médio prazo no processo orçamental é destacada na auditoria paralela em que o Tribunal participou com outras seis Instituições Superiores de Controlo da União Europeia (UE) aos Quadros Orçamentais de Médio Prazo (QOMP), a par do exercício anual de revisão da despesa vinculado ao quadro plurianual e do compromisso político com estes objetivos de médio prazo. Verificou-se que a natureza não vinculativa dos QOMP ou as revisões anuais do limite de despesa dificultam a avaliação do seu efetivo cumprimento.
Execução orçamental consolidada da administração central e da segurança social com um défice de 8 mil M€, tendo a receita aumentado 7 mil M€ e a despesa 3,8 mil M€.
- O défice orçamental da conta consolidada foi inferior em 3 188 M€ ao de 2020 e totalizou 8 294 M€. Ao nível da receita (84 171 M€) é de destacar o aumento da receita fiscal (2 384 M€), em particular da receita dos impostos indiretos (1 361 M€ do IVA), mas também das contribuições para a SS e a Caixa Geral de Aposentações (CGA) (1 806 M€) e das transferências da UE (1 171 M€). A despesa (92 466 M€), à exceção dos juros, registou aumentos em todas as suas componentes: i) aquisição de bens e serviços (1 173 M€); ii) pensões e prestações sociais pagas às famílias pela SS e pela CGA (817 M€); iii) apoios decorrentes das medidas COVID-19 (830 M€); e iv) despesas com pessoal (737 M€). A despesa no âmbito do PRR totalizou 71 M€, 64 M€ por entidades da AC e 7 M€ por entidades da SS.
- A despesa em apoios concedidos pela AC a entidades fora do setor das administrações públicas, através de subsídios e transferências, ascendeu a 4 306 M€ (73% financiada pelo OE e mais 33,8% face a 2020). Aqui se incluem muitas das medidas de política pública do ano sendo a maior parcela dos apoios por financiamento nacional dirigida à área do Ambiente, Energia e Ordenamento do Território (617 M€), seguida das do Emprego, Trabalho e Formação Profissional (456 M€), Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (276 M€) e Educação (206 M€). Eliminando o valor dos apoios COVID-19 (918 M€) estes valores encontram-se próximos dos de 2020.
- Os apoios ao setor financeiro em 2021 atingiram o valor mais baixo desde 2008. Porém, em termos acumulados, de 2008 a 2021, as despesas atingiram 29 587 M€ e as receitas 7 538 M€, originando um saldo desfavorável para o Estado de 22 049 M€. Em 2021, esse saldo foi de 213 M€, sendo a despesa mais significativa a transferência de 429 M€ do FdR para o NB, no âmbito do acordo de capitalização contingente. As responsabilidades contingentes associadas a estes apoios, em 2021, diminuíram para 39 M€ (200 M€, em 31/12/2020).
- Ao nível do reporte dá-se conta de que: i) ainda que não integradas na despesa efetiva, subsistem operações classificadas como despesa em ativos financeiros que visam prosseguir, essencialmente, objetivos sociais e de política pública e não se destinam a produzir retorno financeiro, pondo em causa essa classificação. Enquadra-se nesta situação o aumento de capital da TAP, SA, no valor de 998 M€; ii) verificaram-se fragilidades no reporte das medidas de política adotadas no âmbito da pandemia, designadamente quanto a transferências da UE, a contragarantias executadas no âmbito das linhas de crédito e a apoios a instituições do setor social. Ao nível da consolidação verificou-se que o grau de consistência da informação sobre a receita e a despesa consolidada da AC e da SS não evoluiu, continuando a não abranger todas as operações materialmente relevantes e incompleta quanto aos juros da dívida pública.
A Conta da administração central encontra-se afetada por limitações
- Ao longo do ano verificaram-se alterações orçamentais – como a utilização dos saldos de gerência ou dotações de anos anteriores, da dotação provisional e das dotações centralizadas, o aumento de receitas efetivas próprias ou consignadas e a designada gestão flexível – que aumentaram o défice inicialmente previsto em 3 681 M€. Para além das cativações (318 M€ no final do ano), foram utilizadas: a dotação provisional (474 M€) para reforço de dotações suborçamentadas, maioritariamente de forma indevida por não se destinarem a despesas não previsíveis e inadiáveis, e as dotações centralizadas no Ministério das Finanças (736 M€). Porém, em ambos os casos, não é observado o princípio de especificação da despesa previsto na LEO, retirando parte do significado à estruturação da despesa por programas orçamentais. A suborçamentação da Educação e da Saúde exigiu um reforço dos respetivos orçamentos, em 452 M€ e 298 M€. Relativamente à Saúde, acresce a capitalização de 1 080 M€ dos estabelecimentos de saúde EPE, por conta de dotações para “Despesas excecionais” do Ministério das Finanças, o que eleva as verbas transferidas para o Ministério da Saúde a 1 378 M€ (5 083 M€ nos últimos 5 anos).
- A receita e despesa da AC totalizaram 63 844 M€ e 74 466 M€, respetivamente, e conduziram a um défice de 10 623 M€ (uma melhoria de 2 991 M€ face a 2020). A receita aumentou 4 808 M€ (8,1%): 2 376 M€ (5,4%) na receita fiscal, 2 289 M€ (16,6%) na corrente não fiscal e 142 M€ (13,3%) na receita de capital. A despesa aumentou 1 816 M€ (2,5%) justificado pelo acréscimo das despesas decorrentes das medidas de resposta à pandemia de COVID-19 (908 M€), mas também pelo acréscimo nas transferências correntes não diretamente ligadas à pandemia (905 M€).
- A receita fiscal da AC (46 159 M€) aumentou 2 376 M€ (5,4%). Nos impostos diretos é de destacar a receita do IRS (14 534 M€), que aumentou 972 M€ (7,2%) enquanto a do IRC (4 934 M€) diminuiu 120 M€ (2,4%). A receita dos impostos indiretos (26 202 M€) aumentou 1 573 M€ (6,4%), com destaque para o IVA (17 729 M€), com um acréscimo de 1 361 M€ (8,3%).
As receitas fiscais consignadas a diversas entidades atingiram 4 198 M€, mais 214 M€ (5,4%) face a 2020, apesar de, como o Tribunal tem assinalado, se traduzir na redução do financiamento de despesas gerais, limitando uma gestão financeira global. 66% destas receitas destinaram-se à segurança social, às infraestruturas rodoviárias e à administração local.
O aumento de 2 431 M€ (15,9%) na receita não fiscal (17 685 M€) resultou de situações excecionais tais como: i) leilão de licenciamento da 5.ª geração de comunicações móveis que aumentou as taxas arrecadadas pela ANACOM (+410 M€); ii) o aumento das receitas do Fundo Ambiental no âmbito do comércio de vendas em leilão de licenças de emissão de CO2 (+258 M€); e iii) o aumento das receitas no âmbito do princípio da onerosidade (+248 M€). Releva-se ainda o aumento das transferências da UE (+728 M€) devido, sobretudo, ao impacto das receitas do MRR e REACT-EU.
A dívida por cobrar coercivamente pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) totalizou 23 261 M€, mais 1 223 M€ (5,6%) do que em 2020. A dívida incobrável, que mais do que duplicou desde 2016, aumentando de 3 213 M€ (142,4%) para 7 788 M€ em 2021, constitui um fator de risco de sustentabilidade das finanças públicas. Acresce que a cobrança diminui em 2020 e 2021 devido, em parte, às medidas de adiamento das execuções fiscais para atenuar os efeitos da pandemia, o que conduziu ao aumento, cada vez maior, da dívida por cobrar. No final de 2021, apenas 29,7% da carteira correspondia a dívida ativa (cobrável em tramitação corrente), 36,9% a suspensa e 33,5% estava classificada como incobrável.
- As despesas correntes (68 941 M€) aumentaram 1 910 M€ (2,8%) devido ao acréscimo de 1 159 M€ nas despesas com aquisições de bens e serviços, 905 M€ nas transferências correntes (excluindo o efeito das medidas de resposta à pandemia), 730 M€ nas despesas com pessoal, 329 M€ nos subsídios e à redução de 623 M€ nos juros e outros encargos. As despesas de capital (5 526 M€) diminuíram 93 M€ por efeito, sobretudo, do decréscimo de 606 M€ na transferência do Fundo de Resolução (FdR) para o Novo Banco (NB), superior ao acréscimo em 497 M€ nas despesas de investimento.
- Os pagamentos em atraso do SNS relativos a aquisição de bens e serviços (104 M€) constituíam, no final do ano, 72,8% do total em atraso na AC, que registou o valor mais baixo dos últimos três anos, fixando-se em 151 M€, menos 50 M€ (24,9%) do que em 2020.
- Nas receitas e despesas não efetivas, incluem-se as operações extraorçamentais (por exemplo, referentes a operações com os fundos europeus) que totalizaram 26 129 M€ e 18 501 M€. O seu reporte evidencia fragilidades, nomeadamente a ausência de contabilização de operações que podem atingir valores materialmente relevantes.
- Os fluxos financeiros entre Portugal e a UE apresentaram em 2021 um saldo de 5 525 M€, registando um aumento de 2 557 M€, devido ao acréscimo de 58,2% dos fluxos financeiros provenientes da UE (mais 2 993 M€), grande parte do Mecanismo de Recuperação e Resiliência e REACT-EU (2 844 M€). Confirmam-se as preocupações expressas pelo Tribunal nos anteriores pareceres sobre o ritmo de execução dos fundos europeus, sendo a taxa de execução acumulada do Portugal 2020, de 70,6%, insuficiente, a dois anos do seu encerramento, a que acresce, nesse período, a necessidade de impulsionar a execução dos investimentos previstos no PRR e dar início ao novo quadro financeiro plurianual (Portugal 2030). No âmbito do PRR, verificaram-se problemas no reporte das verbas disponibilizadas às entidades (1 032 M€), designadamente a omissão de 158 M€ nas operações extraorçamentais e a sobrevalorização da receita da SS, por não se ter abatido 70 M€ de receita não gasta no ano.
- Os fluxos financeiros para o setor público empresarial ascenderam a 6 588 M€, em dotações de capital (4 005 M€), empréstimos (480 M€), indemnizações compensatórias (375 M€) e outras operações (1 728 M€, incluindo 633 M€ da regularização de dívidas do Estado à Parpública, 622 M€ da contribuição do serviço rodoviário para a Infraestruturas de Portugal e 184 M€ da contribuição do audiovisual para a RTP). Por setor, destacam-se as empresas de transportes e de infraestruturas rodoviárias e ferroviárias (4 326 M€, dos quais 2 302 M€ para a Infraestruturas de Portugal e 998 M€ para a TAP, SA) e os estabelecimentos de saúde EPE (1 131 M€). As receitas totalizaram 670 M€, dos quais 336 M€ de dividendos do Banco de Portugal e 303 M€ da Caixa Geral de Depósitos.
- Os fluxos financeiros para as regiões autónomas ascenderam a 1 079 M€ (636 M€ para os Açores e 443 M€ para a Madeira). A receita proveniente das regiões autónomas totalizou 81 M€ (44 M€ dos Açores e 37 M€ da Madeira), maioritariamente de reembolsos de empréstimos e de pagamento de juros (46 M€). Os fluxos para as autarquias locais totalizaram 5 141 M€ e a receita proveniente da administração local foi de 223 M€.
- No final de 2021, o saldo global da tesouraria do Estado totalizava 12 663 M€. O decréscimo de 7 052 M€ (35,8%) face a 2020 foi significativo, em virtude da situação excecional desse ano, que conduziu à revisão das necessidades de financiamento do Estado no âmbito do Orçamento Suplementar. A informação na CGE sobre a posição de tesouraria, bem como sobre o saldo efetivo das entidades que integram o perímetro orçamental, continua incompleta e de utilidade reduzida, na medida em que se limita à movimentação de fundos na tesouraria do Estado, excluindo a das contas que as entidades detêm na banca comercial.
- O Parecer continua a dar relevo ao princípio da unidade de tesouraria do Estado (UTE) e identifica que se, por um lado, em 2021, diminuiu o número de entidades com disponibilidades indevidamente fora do Tesouro (54, quando em 2020 eram 72 entidades, correspondente a pelo menos 263 M€ (371 M€ em 2020)), por outro lado, aumentou o número de entidades que foram dispensadas do cumprimento da UTE (149 entidades, 138 em 2020), cobrindo disponibilidades num total de 5 881 M€ (6 025 M€ em 2020). Acresce que subsiste a necessidade da revisão do quadro legal da tesouraria do Estado com vista a suprir a fragmentação legislativa neste domínio.
- Ao nível do reporte, a conta da AC não inclui a execução orçamental de quatro entidades. Por sua vez, o classificador económico das receitas e despesas continua desatualizado e o aplicável às entidades públicas reclassificadas (EPR) de regime simplificado não prevê classificações económicas essenciais, conduzindo ao registo de operações materialmente relevantes em rubricas residuais, comprometendo a transparência da execução orçamental e a consolidação de fluxos entre entidades que integram a CGE. Verificou-se também a não contabilização nos sistemas que suportam a CGE (SGR e SIGO) de uma parte significativa das receitas e despesas de operações extraorçamentais (pelo menos 1 849 M€).
- A despesa fiscal por benefícios fiscais inscrita na CGE (12 317 M€) diminuiu 527 M€ face a 2020, devido à revisão da classificação de 103 benefícios, que passaram a desagravamentos fiscais estruturais, com um impacto global de 931 M€. Acresce que este reporte continua a não evidenciar todos os benefícios em vigor: dos 336 identificados pela AT, foi quantificada a despesa de apenas 186.
A Conta da administração central não inclui um reporte completo sobre a dívida pública, o património financeiro, o património imobiliário, as garantias e as parcerias público privadas – elementos que, também pelos montantes envolvidos, muito afetam a sustentabilidade das finanças públicas
- O valor da dívida dos SFA e EPR (pelo menos 90 entidades com dívida) não consta do reporte da CGE (20 597 M€). A dívida financeira consolidada da administração central apurada neste Parecer ascendeu a 256 859 M€, valor aproximado ao de 2020, e gerou encargos com juros no montante de 6 170 M€ (6 544 M€ em 2020). Acresce que, embora seja contabilizado o serviço da dívida de SI e SFA (receitas obtidas com as emissões de dívida, amortizações, juros e outros encargos), os fluxos associados não são integralmente consolidados.
- A CGE continua a não apresentar de forma completa e transparente a carteira dos ativos financeiros das entidades que integram o perímetro orçamental. Em 2021, o valor nominal do património financeiro foi de 119 239 M€, com mais de metade da carteira (61,4%) constituída por ativos relativos a entidades integradas no perímetro da AC. O valor consolidado (46 066 M€) reduziu 1 192 M€ (2,5%) face a 2020.
- A carteira do Estado é composta principalmente por: i) participações (34 289 M€), concentradas na Infraestruturas de Portugal (9 870 M€), CP – Comboios de Portugal (3 959 M€) e Caixa Geral de Depósitos (CGD) (3 844 M€); ii) empréstimos (25 193 M€), com três entidades a absorverem mais de metade daquele montante, Fundo de Resolução (6 383 M€), Parvalorem (4 057 M€) e Metro do Porto (3 274 M€); e iii) participações internacionais (21 729 M€), dos quais 80,6% referem-se ao Mecanismo Europeu de Estabilidade (17 524 M€). Em resultado das operações do ano, destaca-se que o Estado passou a deter uma participação de 904 M€ no capital social da TAP, SA, e de 95 M€ no do NB.
- Os ativos financeiros detidos por 183 SFA correspondem a 33 002 M€, sendo destacar os títulos de dívida pública (15 839 M€), créditos (8 452 M€) e participações (4 149 M€); mais de metade dos ativos do subsetor dos SFA estão concentrados em cinco entidades: CGD (5 376 M€), Agência para a Competitividade e Inovação – IAPMEI (4 641 M€), Parvalorem (3 235 M€), Parpública (2 273 M€) e Agência para o Desenvolvimento e Coesão (2 082 M€).
- Subsiste a falta do inventário e da valorização adequada dos imóveis do Estado. O reporte no RCGE sobre o património imobiliário da AC encontra-se muito incompleto, refletindo as fragilidades do Sistema de Informação dos Imóveis do Estado. No âmbito deste Parecer, reitera-se que, embora se encontre previsto, desde 2020, um novo sistema recentemente enquadrado no âmbito do financiamento PRR, os avanços no reporte da informação exigem uma abordagem estratégica e integrada do património imobiliário público, expressamente prevista no respetivo regime jurídico. A informação sobre as operações imobiliárias continua incompleta omitindo, por exemplo ao nível da receita das alienações cerca de 40% do total, e continua a apresentar inconsistências com a execução orçamental. De realçar o aumento das receitas provenientes das contrapartidas pela ocupação de imóveis do Estado (de 22 M€ em 2020 para 315 M€ em 2021).
- A Conta também reporta de forma incompleta as responsabilidades por garantias concedidas pelas entidades que compõem o perímetro da CGE e continua a não comportar uma análise do risco orçamental subjacente às responsabilidades por garantias prestadas. Em 2021, as garantias assumidas pelo Estado mantiveram-se a num nível significativo (20 504 M€, que compara com 20 628 M€ em 2020). Apesar do impacto das medidas COVID-19 de apoio às empresas, nomeadamente as linhas de crédito bancário e de seguros de crédito, ter sido substancialmente inferior ao verificado em 2020, em termos acumulados, o stock de garantias COVID-19 registou uma variação de 635 M€, ascendendo a 7 663 M€.
- A CGE 2021 reporta 1 542 M€ de encargos públicos líquidos com PPP (1 473 M€ em 2020 e 13 436 M€ de 2011 a 2021). Estes encargos respeitam apenas a 35 das 39 PPP identificadas, não tendo sido prestada informação sobre outras concessões. A estimativa de 4 258 M€ para encargos líquidos do sector público com as PPP, entre 2022 e 2062, já deduzida da receita estimada para o setor aeroportuário (2 948 M€, de 2023 a 2062), permanece sem ser acompanhada da previsão do investimento a realizar pelos parceiros privados. E, sobretudo, na informação reportada na CGE 2021 subsistem as deficiências seguintes: universo de contratos por certificar, receita efetiva de cada concessão por controlar, registar e reportar integralmente, parte relevante da informação por prestar, veracidade e coerência dos dados por validar e cumprimento das finalidades essenciais das PPP por avaliar.
A Conta da segurança social mantém fragilidades que afetam a sua fiabilidade. O crescimento económico do ano favoreceu que o financiamento das pensões da SS e da CGA fosse 65,5% coberto pelas contribuições e quotizações
- O saldo orçamental da CSS (de execução efetiva do exercício) atingiu 2 328 M€, mais 9,2% face a 2020, dado que o aumento da receita (4,4%) foi superior ao da despesa efetiva (4,1%). Por sua vez, o saldo orçamental acumulado foi de 4 035 M€, menos 33,7% que em 2020, tendo o saldo do ano contribuído com menos 2 049 M€. De salientar que em 2021 o valor de integração de saldos do ano anterior foi superior em 76,5% ao de 2020.
- A receita total da SS (46 415 M€) aumentou 977 M€ (2,2%), face a 2020, ou 1 421 M€ (4,4%) considerando a receita efetiva. Este aumento resultou em particular do aumento das receitas contributivas em 9,5% (1 724 M€, que cobrem 60% da receita efetiva), uma vez que as transferências da administração central (1 032 M€, que cobrem 32,4% da receita efetiva) diminuíram 8,7%. Também as receitas de capital diminuíram 2 906 M€, refletindo o decréscimo de 28,8% das receitas de ativos financeiros (2 905 M€).
A despesa total (42 781 M€) aumentou 3 049 M€ (7,7%), face a 2020, maioritariamente pelo acréscimo de 18,8% da despesa em ativos financeiros (+1 826 M€). A despesa efetiva (31 238 M€) também aumentou (1 224 M€, 4,1%), refletindo o aumento: i) das prestações sociais (28 906 M€, +782 M€), designadamente pensões e complementos (+474 M€), prestações de apoio às famílias e às empresas (118 M€), de desemprego e apoio ao emprego (77 M€), e de ação social (147 M€); e ii) das transferências e subsídios para formação profissional e políticas ativas de emprego (1 966 M€, +423 M€). A atualização extraordinária de pensões originou uma despesa, em 2021, de 747 M€ e uma despesa acumulada, desde 2017, de 1 818 M€.
- Considerando todos os sistemas da SS e ainda a CGA, o valor da despesa com pensões e complementos ascendeu a 28 935 M€ (um aumento de 2,0% face a 2020), com os encargos com pensões de velhice e invalidez a representarem 84,2%. Quase dois terços deste valor (65,5%) foram financiados por contribuições e quotizações de beneficiários ativos e contribuições das entidades empregadoras (+6,4% do que em 2020) e 33,0% pelo OE (um esforço 4,4% inferior ao verificado em 2020).
- O Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, no final de 2021, valia 23 180 M€, valor suficiente para satisfazer compromissos com pensões exclusivamente do sistema previdencial-repartição (sistema da SS) durante 18,2 meses, mas ainda aquém dos 24 meses identificados como necessários para garantir a estabilização financeira futura do sistema previdencial. O crescimento do valor do Fundo (6,5%) ficou a dever-se, numa parte (56,6%) aos ganhos obtidos nas aplicações financeiras e, noutra parte (43,4%), às entradas de capital, essencialmente, de transferência de saldo do sistema previdencial-repartição (581 M€) e de receita fiscal consignada do adicional de solidariedade sobre o setor bancário (34 M€). Note-se que em 2021, as receitas de Adicional ao IMI e de IRC consignadas ao FEFSS foram, excecionalmente, afetas ao sistema previdencial-repartição.
- A situação financeira e patrimonial da SS refletida no balanço totalizou, em termos líquidos, 36 642 M€, que traduz uma variação positiva de 2 555 M€ (7,5%) em relação a 2020.
O ativo líquido é constituído maioritariamente (85,1%) por disponibilidades (31 166 M€), mais 2 574 M€ (9,0%) face a 2020. A dívida de terceiros e o imobilizado são áreas com grande risco quanto à fiabilidade dos valores relevados no balanço, embora não muito representativas (13,7% e 1,1%, respetivamente), registando a primeira um decréscimo de 1,0% e a segunda um aumento de 6,2%, face a 2020.
Os fundos próprios são compostos principalmente por património (23 061 M€), sobretudo do FEFSS (21 579 M€, 93,6%), e registaram um aumento de 8,2% (2 651 M€). Este acréscimo decorre, essencialmente, do aumento dos resultados transitados (2 046 M€), devido à afetação do resultado líquido do ano anterior (1 999 M€), do património do FEFSS (916 M€) e da diminuição do resultado líquido do exercício (312 M€).
No total do passivo (1 526 M€) destacam-se as contas destinadas à especialização de exercícios (1 095 M€), essencialmente de proveitos diferidos com um peso de 68,6% (1 046 M€), e as dívidas a terceiros (373 M€), ambas com decréscimos relativamente ao ano anterior de 4,9% e 13,4%, respetivamente.
- O resultado líquido foi de 2 569 M€, menos 312 M€, face a 2020, com os três grupos de resultados a contribuírem para esta diminuição: os resultados operacionais atingiram 1 023 M€ (-165 M€); os resultados financeiros alcançaram 802 M€ (-90 M€); e os resultados extraordinários com 744 M€ (-58 M€). Os proveitos e ganhos (43 791 M€) aumentaram 14,3% (5 473 M€), essencialmente devido, por um lado, ao acréscimo das contribuições e quotizações para a SS (declaradas em 2021, 1 593 M€, e corrigidas de anos anteriores, 4 218 M€), dos fundos europeus (424 M€) e, por outro, da diminuição dos financiamentos do OE para medidas COVID-19 (1 359 M€) e para o cumprimento da Lei de Bases da Segurança Social (211 M€). O total dos custos e perdas (41 222 M€) aumentou 16,3% (5 785 M€), devido sobretudo: ao acréscimo de anulações de contribuições e quotizações para a SS (4 596 M€), das prestações sociais (712 M€) e das transferências e subsídios (445 M€), que se destinaram essencialmente a ações de formação profissional.
- A aplicação do princípio da onerosidade aos imóveis do IGFSS, em 2021, refletiu-se numa cobrança de 248 m€, apenas 1,7% do valor devido. As entidades ocupantes, na sua maioria entidades do setor da saúde, não têm pago as respetivas contrapartidas financeiras e não se têm manifestado relativamente às propostas de celebração dos contratos de arrendamento remetidas pelo IGFSS.
- Verificam-se fragilidades na CSS, essencialmente nas seguintes rubricas: i) dívidas de terceiros, dada a impossibilidade de validação do valor da dívida de contribuintes, do saldo da dívida de prestações sociais (que se encontra sobrevalorizado), às dívidas incobráveis de clientes e de juros vencidos de dívida contributiva (que não foram objeto de registo); ii) imobilizado, pela existência de erros ou omissões na valorização dos imóveis e erros no cálculo das amortizações que afetam o valor líquido dos imóveis; e iii) dívida a terceiros, por incompleta relevação contabilística. Acresce que o sistema de informação financeira da SS não integra a informação relativa às operações do Instituto de Gestão de Fundos de Capitalização da Segurança Social e do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, o que impede a consolidação pelo sistema e a extração automática dos documentos da CSS.
O exame da CSS é ainda afetado pelo facto de esta constituir apenas um anexo sintético do Relatório da CGE e pela não inclusão do parecer do Conselho Consultivo do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (IGFSS), o relatório do fiscal único e a certificação legal de contas do IGFSS.
Continuam por aprovar ou rever os regimes respeitantes à tesouraria única da SS, aos limites das aplicações de capital do IGFSS, ao quadro de financiamento da componente capitalização do sistema previdencial e ao património e financiamento do Fundo de Garantia Salarial.
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