REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS
CONTROLO PRÉVIO E CONCOMITANTE
 

ACÓRDÃO N.º 19/2022 – 1ªS/PL
2022-06-07
Recurso Ordinário n.º 4/2022
Processo n.º 2521/2021

Relator: Conselheiro Nuno Miguel P. R. Coelho

DESCRITORES

CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS / DATA RELEVANTE PARA AFERIR DA MARGEM DE ENDIVIDAMENTO / FALTA OU INSUFICIÊNCIA DA FUNDAMENTAÇÃO / LEI N.º 35/2020, DE 13/08 / LIMITES DO ENDIVIDAMENTO AUTÁRQUICO / MARGEM DISPONÍVEL DE ENDIVIDAMENTO / NULIDADE DA CLÁUSULA PENAL / NULIDADE DA SENTENÇA / ÓNUS DE FORMULAR CONCLUSÕES / PRINCÍPIO DA EQUIDADE INTERGERACIONAL / PRINCÍPIO DA REDISTRIBUIÇÃO DA RIQUEZA / PRINCÍPIO DO CONTROLO DA DÍVIDA PÚBLICA / REGIME FINANCEIRO DAS AUTARQUIAS LOCAIS E DAS ENTIDADES INTERMUNICIPAIS (RFALEI).
 

SUMÁRIO

  1. O acórdão recorrido não enferma de qualquer insuficiência da fundamentação porquanto apreciou, fundadamente, a questão de saber se era ou não legalmente possível a existência de cláusula sobre capitalização de juros, inserta no texto do contrato, imposta ao Município de Vila Real, ora recorrente, indicando claramente os motivos que levaram à decisão, designadamente a imposição ab initio da capitalização de juros exigência, como vimos, legalmente proibida - como condição essencial para a celebração do contrato e a cumulação desta com uma cláusula penal nula por levar a um beneficio excessivo e desproporcionado do banco credor.
  2. A falta da fundamentação invocada pela recorrente quanto à matéria em referência, está sustentada, na verdade, na mera discordância relativamente ao decidido, pelo que tal vício não poderá proceder nem consubstanciar a causa de nulidade da decisão prevista no Art.º 615.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil (CPCivil).
  3. As conclusões do recurso não se podem limitar a simples afirmações de procedência do pedido do recorrente, com indicação das normas jurídicas violadas, exigindo o CPCivil, no seu Art.º 639.º, n.º 1, que nelas se mencionem, resumidamente, os fundamentos por que se pede a revogação do acórdão colocado em crise.
  4. Nas alegações do recorrente não se encontram os fundamentos que permitam preencher esse ónus alegatório, antes se encontra a mera asserção de omissão de pronúncia exposta numa das conclusões, e estes fundamentos não podem proceder até em vista do que foi apreciado acerca da alegada ausência de fundamentação do mesmo acórdão, pelo que também este outro fundamento do recurso terá de improceder.
  5. A apreciação dos limites do endividamento autárquico não deve ficar restrita à data da celebração do contrato, mas deve, identicamente, atender à data da decisão de concessão ou recusa de visto, isto porque o Art.º 52.º, n.º 3, al. b), do Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais (RFALEI), proíbe que em cada exercício, aferido pelo seu início, pelo dia 01/01, os municípios se endividem para além de 20% da margem disponível.
  6. Assim, o campo operativo deste mesmo Art.º 52.º, n.º 3, al. b), do RFALEI, não deve ficar cingido à data da celebração do contrato, mas deve atender, também, à data do início da correspondente produção de efeitos.
  7. Nessa medida, ainda que por força da Lei n.º 35/2020, de 13/08, estivesse suspenso o limite indicado neste Art.º 52.º, n.º 3, al. b), da RFALEI, relativamente aos empréstimos contraídos nos anos de 2020 e 2021, para vigorarem nesses anos e seguintes, essa suspensão não opera quando se está a apreciar um empréstimo que apesar de ter sido celebrado no final do ano de 2021, visava produzir efeitos – afinal, ser efetivamente executado - no ano seguinte, de 2022.
  8. Traduzir-se-ia num resultado completamente incongruente com o alcance teleológico das normas que regulam a disciplina financeira de determinado contrato público de empréstimo que irá ter todo o seu percurso de vida útil para além do final de 2021, portanto no ano corrente de 2022 e seguintes, e, portanto, com todo o seu expressivo impacto financeiro e de dívida pública para futuro, que esse mesmo empréstimo não fosse apreciado à luz das normas vigentes aplicáveis à data da fiscalização prévia do Tribunal de Contas.
  9. A citada Lei n.º 35/2020, de 13/08, que se inseriu num regime legal excecional de emergência (pandemia COVID 19), cessou a sua vigência em data antecedente ao início da eficácia do contrato de empréstimo aqui em apreço, gerador de endividamento, que passa a estar disciplinado em pleno, nessa decorrência, pelo modelo de controlo de endividamento das autarquias locais, baseado não só em regras orçamentais de cariz procedimental e numérico, como também pelos princípios de controlo da dívida pública, da equidade intergeracional e redistribuição da riqueza.
  10. Há então que concluir, como faz o acórdão recorrido, que o presente contrato, pese embora assinado em 2021 e remetido ao Tribunal em 30/12/2021 para efeitos de fiscalização prévia, tinha em falta uma condição essencial para aumentar a dívida do Município em 2021, que era a eficácia, da qual é pressuposto impreterível a concessão de visto prévio do Tribunal de Contas.
  11. Em traços gerais, a lei admite o anatocismo desde que estejam preenchidos certos requisitos de admissibilidade – a convenção das partes ser posterior ao vencimento da obrigação de juros que constitui a base do novo cálculo de juros ou uma notificação judicial do devedor exigindo o pagamento dos juros ou a sua capitalização - e seja observado um limite – o período mínimo de um ano para a capitalização dos juros – (cfr. Art.º 560.º do Código Civil).
  12. Na presente situação, tal como assumido pelo acórdão recorrido, a capitalização de juros, inserta no texto do contrato, imposta a uma autarquia local, como condição para a celebração do contrato (e não através de convenção posterior ao vencimento de juros), cumulável com a cláusula penal prevista no n.º 1 da referida cláusula sétima, na qual se prevê uma sobretaxa, no caso de mora, esta cláusula conduz a um benefício excessivo e desproporcionado, sendo por isso nula, nomeadamente, em face do disposto nos Art.ºs 12.º e 19.º, alínea c), do Regime Jurídico das Cláusulas Gerais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro, na redação atualmente vigente.

 

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