DESCRITORES
APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CÓDIGO DOS CONTRATOS PÚBLICOS / CONTRATAÇÃO EXCLUÍDA / CONTRATOS EXCLUÍDOS / CONTRATAÇÃO IN HOUSE / DECRETO-LEI N.º 104/2011, DE 6 DE OUTUBRO / DIRETIVA 2009/81/CE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, DE 13 DE JULHO DE 2009 / LEI DE PROGRAMAÇÃO MILITAR / MERCADO INTERNO DA DEFESA / SETOR DA DEFESA.
SUMÁRIO
- A disposição do art.º 223.º (posteriormente art.º 296.º) do Tratado que institui a Comunidade Europeia (atual art.º 346.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia) corporizou a necessidade sentida pelos Estados-membros de salvaguardar as questões relacionadas com a defesa e segurança, evitando a sua total comunitarização.
- A aplicação desta norma à contratação pública não deveria significar, porém, uma total exclusão da aplicabilidade das regras gerais da contratação aos contratos em matéria de defesa, mercado que, pela sua importância económica e relevância estratégica, não poderia nem deveria ficar de fora das regras do mercado interno.
- Apesar de o art.º 3.º da Diretiva 93/36/CEE do Conselho, de 14 de junho de 1993, não excluir liminarmente do seu âmbito de aplicação os contratos do domínio da defesa, mas apenas os produtos que se enquadrassem na alínea b) do art.º 296.º, os Estados-Membros serviram-se desta cláusula para excluir do âmbito das regras da contratação pública tudo o que pudesse estar relacionado com a defesa, independentemente da natureza dos bens ou serviços transacionados.
- A Diretiva 2009/81/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, define regras procedimentais específicas para os contratos adjudicados nos domínios da defesa e da segurança, tendo sido transposta pelo Estado Português através do Decreto-Lei n.º 104/2011, de 06 de outubro, aí se prevendo os seguintes procedimentos: negociação, com ou sem publicação, diálogo concorrencial e concurso limitado por prévia qualificação.
- A transposição deste regime específico para os contratos celebrados no setor da defesa levou à necessidade da sua compatibilização com o CCP, tendo o Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de agosto, introduzido duas importantes alterações:
a. Aditou uma alínea e) ao art.º 4.º, n.º 1, nos termos da qual o CCP passou a deixar de ser aplicável aos contratos celebrados ao abrigo do disposto no artigo 346.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia;
b. Aditou ao art.º 5.º, n.º 4, uma nova alínea h), dispondo que a Parte II do CCP é inaplicável à formação dos “contratos celebrados ao abrigo do disposto no regime jurídico dos contratos públicos no domínio da defesa e da segurança, designadamente do Decreto-Lei n.º 104/2011, de 6 de outubro”.
- A aplicação da alínea h) do n.º 4 do art.º 5.º pressupõe necessariamente existência de um regime especial que seja aplicável, o que leva à interpretação restritiva do art.º 5.º-B, n.º 1, do CCP, sendo o seu âmbito de aplicação limitado apenas aos contratos que não estejam abrangidos por legislação específica.
- A contratação in house começou por ser uma figura de construção jurisprudencial, baseada em decisões do TJUE que reconheceram a existência de uma derrogação aos princípios da contratação pública quando estejamos perante um contrato “interno”, celebrado entre sujeitos ligados por vínculos de controlo e dependência, tendo sido acolhida pelo legislador comunitário no art.º 12.º da Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos.
- À data de elaboração da Diretiva 2009/81/CE era já abundante a jurisprudência do TJUE sobre contratação in house, pelo que a sua omissão na referida diretiva não pode considerar-se involuntária, e já depois da entrada em vigor de tal Diretiva a Comissão foi confrontada com pedidos no sentido da expressa previsão da contratação in house numa futura revisão da diretiva, tendo rejeitado tal pretensão.
- Apesar de o legislador europeu apenas em 2014 ter expressamente consagrado a contratação in house, em Portugal ela está prevista desde a primeira versão do CCP, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro.
- Quando em 2011 o legislador nacional aprovou o Decreto-Lei n.º 104/2011, de 6 de outubro, se entendesse aplicável e não contrário àquele diploma europeu, poderia ter previsto expressamente a exclusão dos contratos in house do âmbito de aplicação do diploma, o que não fez certamente por entender que essa previsão contrariaria a diretiva comunitária.
- O Decreto-Lei n.º 104/2011, de 6 de outubro, na esteira da Diretiva 2009/81/CE, regulou expressamente os procedimentos aplicáveis à formação dos contratos no setor da defesa, não tendo excluído desses procedimentos as situações de contratação in house – não o tendo feito, não se pode ir procurar ao CCP tal exclusão, por não se tratar de uma qualquer lacuna que deva ser dessa forma colmatada.
- O legislador europeu não quis consagrar no setor da defesa a possibilidade de contratação in house, na medida em que, neste setor em concreto, poderia dar lugar a situações de distorção do mercado interno, através, por exemplo, de possíveis financiamentos encobertos de entidades/sociedades públicas sob a capa de contratos de prestação de serviços (que poderiam até violar as regras de proibição de auxílios de Estado às empresas).
- A contratação in house envolvendo empresas detidas pelo Estado representa um risco acrescido no setor da defesa relativamente à contratação pública comum, pelo que se compreende que à maior flexibilidade dos procedimentos de base negocial, tenha o legislador contraposto a não exclusão das situações de contratação in house, na busca do equilíbrio entre as especificidades do setor da defesa e a necessidade de assegurar a transparência e a concorrência.
- A preterição total do procedimento legalmente exigido é causa de nulidade, nos termos do disposto no art.º 161.º, n.º 1, alínea l), do Código do Procedimento Administrativo, para que remete o n.º 2 do artigo 284.º do CCP, aplicável por força do disposto no art.º 65.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 104/2011, de 6 de outubro.
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