REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS
CONTROLO PRÉVIO E CONCOMITANTE
 

ACÓRDÃO N.º 8/2022 – 1ªS/SS
2022-02-22
Processo n.º 1838/2021

Relator: Conselheiro Nuno Miguel P. R. Coelho

DESCRITORES

HABILITAÇÃO / HABILITAÇÃO DERIVADA DO LICENCIAMENTO / HABILITAÇÃO DE TERCEIROS / LIMITES À SUBCONTRATAÇÃO / LIMITE QUALITATIVO À LEGITIMAÇÃO TÉCNICA E PROFISSIONAL / PRESSUPOSTO DE QUALIFICAÇÃO / RECURSO ÀS CAPACIDADES DE OUTRAS ENTIDADES / SUBCONTRATANTES / TRABALHOS ESSENCIAIS.
 

SUMÁRIO

  1. Neste processo de fiscalização prévia procedeu-se à apreciação da habilitação da empresa adjudicatária ao procedimento de concurso público (habilitação derivada do licenciamento) e dos limites à subcontratação e ao recurso às capacidades de outras entidades.
  2. Esta habilitação primacial ou licenciamento da adjudicatária podem ser estabelecidos como um limite qualitativo à sua legitimação técnica e profissional para adjudicar certos trabalhos e de recurso à habilitação de terceiros (subcontratantes), o que não deixa de constituir, nesse sentido, um limite ao recurso à subcontratação por ausência de habilitação própria, na linha do defendido pela jurisprudência deste Tribunal de Contas (TdC) afirmada no Acórdão n.º 26/2020, 1.ª S/PL, de 26/6, processo n.º 2070/2019, que confirmou a recusa de visto do Acórdão n.º 3/2020, 1.ª S/SS, de 20/1, e do decidido no acórdão antecedente n.º 4/2018, 1.ª S/SS, de 22/1.
  3. O contrato de empreitada de obras públicas, na noção que lhe é dada pelo Código dos Contratos Públicos (CCP), no seu artigo 343.º, n.º 1, integra um elemento subjetivo – precisamente, a qualidade de empreiteiro de obras públicas, que é concedida pelo ato administrativo que verifica o cumprimento dos requisitos legais e regulamentares de ingresso na atividade de construção por parte do interessado/requerente. O ingresso numa atividade que consistirá na conceção e/ou execução “de uma obra pública que se enquadre nas subcategorias previstas no regime de ingresso e permanência na atividade de construção” (como expressamente refere este preceito legal).
  4. Só com esse ato administrativo de habilitação é que se adquire o status de empreiteiro de obras públicas. E só este status permite a celebração de contratos de empreitadas de obras públicas. Mas não de todos os possíveis contratos, mas só (e apenas) daqueles que integrem a categoria, subcategorias e classe em que o empreiteiro se encontre administrativamente credenciado/habilitado.
  5. Se esses requisitos de capacidade têm de ser preenchidos pelos próprios interessados em participar no procedimento, a verdade é que tem sido admitido que um interessado aproveite, dentro de determinadas condições, a capacidade de terceiros. Mas compreende-se que esse direito de invocar as capacidades de outras entidades não possa ser ilimitado, sob pena de colocar em causa as razões que ditam a necessidade de capacitação técnica e qualificação (rectius, habilitação) do cocontratante e a natureza intuitu personæ do contrato de empreitada.
  6. Não sendo a adjudicatária detentora de habilitação contendo subcategoria em classe que cubra o valor global da obra (de cada um dos lotes) é irrelevante que a adjudicatária e a subcontratada possuam as habilitações exigidas e necessárias para o desenvolvimento dos trabalhos especializados em função dos respetivos valores parcelares.
  7. Trata-se de um pressuposto de qualificação (habilitação) mínima ou essencial da entidade ou empresa que se apresenta a concurso público num procedimento respeitante a um contrato de empreitada de obras públicas.
  8. A interpretação defendida na jurisprudência firmada neste TdC não prejudica a faculdade de subcontratar nem a liberdade de concorrência, antes exige, na aludida ponderação legal e normativa, que as condições de habilitação genérica à prestação da atividade de construção civil e de obras públicas estejam reunidas pela adjudicatária como habilitação a contratar, sob pena de qualquer empresa sem a mínima especialidade e capacitação técnica se apresentar à contratação pública neste domínio, basta que apresente uma mera delegação nos créditos de habilitação alheios, nomeadamente num alvará com habilitação na classe respetiva.
  9. Assim, a jurisprudência deste TdC, ao afirmar a existência de limites qualitativos, não coloca entraves à subcontratação nem se vê que esteja em contradição com a jurisprudência do Tribunal da Justiça da União Europeia (TJUE), isto porque: - não limita a possibilidade de subcontratação (ao contrário do caso Borta, o adjudicatário pode livremente subcontratar, mesmo na parte dos “trabalhos essenciais”); e - não limita de maneira injustificada e desadequada o direito a aproveitar as qualificações de terceiros; desde que habilitada para os “trabalhos essenciais”, a adjudicatária pode aproveitar as qualificações dos terceiros para todas as restantes partes da obra a executar (no caso Borta, o TJUE não disse haver uma proibição absoluta, o que disse foi que aquela restrição em concreto não era adequada à finalidade pretendida e, por isso, era injustificada).
  10. Esta é uma interpretação que tem respaldo, do mesmo modo, na jurisprudência nacional dos tribunais administrativos, quando nela se defende amiúde que seria irrazoável, e até violador dos princípios da concorrência e da igualdade, assim como do dever geral de boa administração, que uma entidade adjudicante prosseguisse todo um procedimento tendente à contratação da execução de obra pública, admitindo uma proposta em que, patentemente, dela constam expressas referências de que a concorrente/proponente não é titular de alvará numa concreta subcategoria/categoria, que é exigido no programa do procedimento.
  11. Porquanto, em primeira linha, a adjudicatária não tinha habilitação com classe que cobrisse o valor global das propostas para cada lote, como exigido no programa de procedimento. E, nessa decorrência, tais factos deveriam ter determinado a caducidade da adjudicação dos lotes 1, 2 e 3 por aplicação conjugada das normas contidas nos artigos 132.º n.º 1 alínea f), 81.º n.º 2, e 86.º, todos do CCP.
  12. Sem decisão de adjudicação o contrato carece de um elemento essencial, sendo, consequentemente, nulo (cf. artigos 284.º n.º 2, primeira parte, e 96.º n.º 1, alínea b), ambos do CCP).
  13. A nulidade contratual verificada constitui fundamento absoluto de recusa de visto, que não permite a sua concessão ainda que acompanhada de eventuais recomendações, atento o disposto no artigo 44.º, n.º 3, alíneas a) e b), e n.º 4 (este a contrario sensu), da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas (LOPTC).
  14. Mas ainda que não se verificasse a referida nulidade, sempre estaríamos perante uma ilegalidade suscetível de alterar o resultado financeiro final, por riscos de inadequada execução técnica da obra em apreço, por empreiteiro não habilitado, situação esta enquadrável na alínea c) do citado n.º 3 do artigo 44.º.

 

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